terça-feira, 30 de novembro de 2021

PORTUGUESA - A busca pela perfeição – ou o mais próximo disso que puder

Texto originalmente publicado no Netlusa

SEM DIREITO DE ERRAR sem margem para erros, Lusa
 terá que ser cirúrgica em tudo o que fizer em 2022

A gestão do presidente Antonio Carlos Castanheira tem tido mais acertos que erros na condução do clube e acredito que isto seja ponto pacífico entre todos aqueles que analisam a Portuguesa isentos de viés político. Mesmo alguns pontos que hoje são vistos como equivocados, foram medidas coerentes, em princípio.

A escolha do nome de Flávio Alves para tocar o projeto do futebol no começo da gestão talvez seja a mais emblemática delas. Alves chegou ao Canindé tendo no currículo duas semifinais de Copa Paulista nos dois anos anteriores, por Atibaia e EC São Bernardo, tendo emendado mais duas – a primeira delas com o título – na passagem pela Portuguesa.

Como era este o caminho mais curto para satisfazer a urgência de ter um calendário nacional, o mais indicado seria alguém não só com experiência na competição, mas com bons trabalhos nela. Por mais que pareça clichê, quanto mais se conhece o caminho, menos penoso é o percurso.

Como o projeto fez água com a queda precoce na Série D, nada mais natural do que fazer as correções da rota. Por isso a chegada de um profissional como Toninho Cecílio deve ser vista com bons olhos, mais do que qualquer que fosse o treinador, pois uma coisa está ligada à outra, bem como a formação do elenco, inclusive nos critérios para enxugá-lo.

Erros como o inchaço do grupo de jogadores não podem mais ocorrer. Em 2014, naquela missa de corpo presente e de 38 rodadas que foi a disputa da Série B, um dos maiores erros cometidos pela direção foi ter um plantel com mais de 60 atletas, entre chegadas, afastamentos e dispensas na insana dança das cadeiras que foi o cargo de treinador da Lusa naquela temporada. É impossível trabalhar com esse excedente.

Então, cabe ao gerente de futebol se valer do bom nome que tem entre agentes e atletas (o chamado “mercado do futebol”) para reduzir ao mínimo possível os equívocos na formação do elenco que, em 2022, defenderá a Portuguesa no último ano da atual gestão, que não pode sequer sonhar em chegar ao fim do ano sem a garantia do calendário nacional na temporada seguinte, e, de preferência, com o retorno à Série A1 do Paulistão também na algibeira.

Sem margem de manobra, a Lusa não pode mais entrar para disputar e ver no que vai dar. Será preciso montar um time com casca e que conheça a competição, bem como para tudo o que for disputado, pois não serve mais andar ao largo do rebaixamento, é preciso conquistar. Ou então um projeto com potencial enorme morrerá antes mesmo de aprender a andar sozinho.

terça-feira, 16 de novembro de 2021

O inferno da repescagem


Procurei em sites brasileiros e do exterior como é a dinâmica da repescagem das Eliminatórias da Europa para a Copa do Mundo. Como não achei - e sou um jornalista, afinal -, fui ao site da UEFA e peguei as informações que precisava. Conta feita aqui, projeção feita acolá, eis o que será a demoníaca repescagem europeia para a Copa de 2022.

São 12 seleções disputando três carimbos no passaporte para o Catar, divididas em dois potes: os seis melhores segundos colocados no um e os quatro restantes, além dos dois melhores da última Liga das Nações que não se classificaram diretamente ou ficaram em segundo, no pote dois.

O formato é simples: serão três grupos com quatro seleções em cada, com uma semifinal e uma final dentro de cada grupo, sempre em jogo único, com o campeão de cada quadrangular garantindo a vaga para a Copa do Mundo. Os seis melhores jogam em casa e a "final" terá o mando de campo sorteado.

Até o momento, estão confirmados na repescagem: Portugal, Suécia, Itália, Escócia, Rússia, Polônia, Macedônia do Norte, Áustria (via Liga das Nações), Gales (segundo do E ou via Liga das Nações) e República Tcheca (idem). Restariam ainda duas vagas.

No Grupo D, Finlândia (11 pontos/dois gols de saldo) e Ucrânia (9/1) ainda jogam. Os nórdicos pegam a classificada França em casa e os ucranianos visitam a eliminada Bósnia. Como o primeiro critério de desempate é o saldo de gols, tudo pode acontecer.

No demoníaco Grupo D, está tudo em aberto: a Holanda lidera com 20 pontos e saldo "infinito" de 23; Turquia e Noruega têm 18, com vantagem no saldo para os turcos (10 a 9), que visitam a eliminada Montenegro. Já a Noruega tem confronto direto com a Holanda, fora. A Laranja Mecânica, que se enrolou ao empatar com Montenegro após abrir 2 a 0 e mantar o placar até o minuto 80, ficou de fora da última Copa e lhe basta empatar para evitar outra hecatombe e garantir a vaga direta do Grupo G, já que a Turquia não vai tirar a diferença de 13 gols no saldo nem a pau. Os turcos precisam empatar para garantirem no mínimo a repescagem. Vencendo, esperam pelo resultado de Holanda x Noruega para saber se comemoram ou se vão ao purgatório.

A Noruega, por sua vez, também tem que vencer para garantir ao menos a segunda colocação. Aí secaria a Turquia ou precisa fazer ao menos dois de saldo a mais, já que nos gols marcados (terceiro critério de desempate), os turcos têm 25 a 15 na frente). Se perder, a conta é a mesma: tem que esperar pela derrota turca com pelo menos dois gols a mais de diferença. Voltando à Holanda, se perder, terá que secar os turcos, ou então já era até a repescagem.

No Grupo E, que tem Gales em segundo (14 pontos e cinco gols de saldo) e República Tcheca em terceiro (11/3), a dúvida é saber para qual pote os britânicos vão. Basta vencer a classificada Bélgica para estar entre os seis melhores. Se empatar, segue o mesmo caminho de a Turquia não golear por quatro gols de diferença. Se perder, vai para o pote dois.

Neste momento, a distribuição está assim, entre os já classificados: Pote 1, já garantidos: Portugal, Escócia, Itália e Suécia; Na briga, mas que já jogaram: Suécia (15/6) e Polônia (14/8); ainda jogam: Gales (14/5), Turquia (12/1) e Finlândia (11/2); Pote 2, já dentro: Macedônia do Norte, República Tcheca e Áustria.

A Noruega, em terceiro no grupo G, tem 12 pontos e dois gols de saldo. Como há grupos com seis e com cinco seleções, os resultados contra os últimos colocados nos grupos com mais seleções são descartados para a definição dos melhores segundos colocados.

Mas qual é a vantagem de estar no pote um? Além de jogar o primeiro mata em casa, livra a seleção do confronto já nesta fase contra um dos outros cinco melhores. É a única separação e aqui é onde o filho chora e a mãe não vê. Pode ter gente grande se matando por uma vaga!

Serão três quadrangulares, A, B e C, nos quais serão distribuídas primeiro as seis do pote um e, depois, as do outro lote. Se, por um acaso, a ordem do sorteio de Portugal e Itália - para ficar em duas favoritas à Copa que quebraram a cara na última rodada - for 1 e 2, 3 e 4 ou 5 e 6, só um deles irá ao Catar, considerando que vençam a primeira partida, evidentemente.

Assim como pode acontecer com a Holanda, caso ela fique em segundo no grupo dela, pois com 14 pontos e saldo de gols de 18 (já descontados os jogos com Gibraltar), seria no mínimo a sexta melhor campanha, desde que não perca para a Noruega e a Turquia não vença, claro, pois aí ficaria em terceiro, como já foi falado aqui. Ou seja, se a Holanda passar em segundo, a chance de haver um confronto entre duas destas três grandes seleções é muito grande, pois ocuparão metade das vagas dos cabeças-de-chave.

Sem contar que, das seleções menos festejadas, ainda pode pintar um Haaland, um Bale ou um Lewandowski pelo caminho. Ou seja, o pau vai torar bonito e pode sim ter gente graúda vendo a Copa pela TV.

segunda-feira, 15 de novembro de 2021

PORTUGAL 1 X 2 SÉRVIA - o gajo da anedota da casca da banana

(Foto: Pedro Nunes/Reuters)

Já ouviram a piada do português que estava andando na rua e, resignado, ao ver uma casca de banana à frente, diz "ai, Jesus, outro tombo"? Certamente, Fernando Santos não. Se tivesse ouvido, não teria caído na mesma armadilha do jogo com a Irlanda, quando a saída de bola foi sufocada e Portugal teve que quebrar a todo instante. Mesmo o gol madrugador de Renato Sanches, no segundo minuto de jogo, não tirou da Sérvia a ideia de não dar espaço para os portugueses tentarem a construção desde os centrais. 

Assim, a bola batia e voltava. E tome a Sérvia com a bola. E tome Tadić, Kostić e Milinković-Savić encontrando espaços entre as linhas de marcação de Portugal e Živković tocando o terror pra cima de um apavorado Nuno Mendes. 

Assim, o time comandado pelo cracaço Dragan Stojković adiantou a marcação, matou a saída de bola dos donos da casa e obrigou Portugal a quebrar, tirando o time de Fernando Santos da sua zona de conforto, que é o jogo no meio com a bola no chão. O gol de empate, que teve a sorte nos pés de Tadić e o azar no desvio em Danilo, foi fruto dessa desarrumação lusitana, que permitiu a troca de passes na entrada da área até o chute torto do camisa 10. Antes, uma bola de Vlahović na trave seria o aviso que deveria ser sido notado.

Para o segundo tempo, Fernando Santos poderia sacar Nuno Mendes, passar João Cancelo para o seu lado e acabar com a graça de Živković ou tirar Cristiano Ronaldo da área para fazer fluir o jogo. Ou esperar o time sérvio cansar, o que viria a acontecer. Só que, neste momento, Portugal seguiu afoito, tentando resolver a partida em dois ou três passes, em vez de jogar com o tempo a favor e tirar da Sérvia a única opção que havia sobrado, a bola longa pelo alto. A única chance de gol digna de nota esteve nos pés de Renato Sanches, um dos melhores jogadores lusos em campo em um jogo em que, pela característica de muito combate e pouca lucidez com a bola, sequer deveria começar no onze titular. 

Isso diz muito sobre o que foi o jogo. 

Fora isso, nenhum jogador de Portugal conseguiu segurar a bola e só havia um pingo de lucidez quando ela chegava em Cristiano Ronaldo ou em Bernardo Silva, que teve que sair quando faltaram-lhe pernas. Com o jogo morno, o negócio seria colocar o capitão aberto e ir de André Silva. Aí teria um centroavante segurando os zagueiros e um jogador capaz de manter a bola na frente, atrair adversários para a marcação e, de quebra, abrir espaço para Bruno Fernandes ou Bernardo Silva, caso este não tivesse saído, deixar o jogo à feição de Portugal. 

Era preciso desacelerar o jogo, coisa que Portugal jamais teve a capacidade de fazer, muito em função da incapacidade de Fernando Santos em ler o jogo, o que já havia acontecido na Eurocopa. Não tirar da Sérvia a possibilidade de ter a bola e jogar pelo alto tornou previsível o gol de Mitrović, já ao pé do minuto 90. Não o tento em si, mas a forma como foi marcado. 

Em vez de fazer valer a maior capacidade técnica de sua equipe, Fernando Santos resolveu defender o resultado que bastava. Desceu Danilo para fazer uma linha de três zagueiros quando o melhor seria buscar superioridade no meio-campo. Dessa forma, quando deveria condicionar as ações do jogo - porque time para isso ele tem -, permitiu à Sérvia fazer o jogo que lhe interessava. 

Não era difícil prever.

Agora, vem o purgatório da repescagem, um caminho que Portugal já fez e se classificou nas três vezes em que por lá esteve, mas não no formato demoníaco que se avizinha: três grupos com quatro seleções (as 10 segundas colocadas de cada chave mais os dois melhores da Liga das Nações que não terminarem entre os dois de seus grupos), com duas semifinais e uma final, sempre em jogo único dentro de cada grupo para apontar os três que vão ao Catar. O mando de campo na semifinal será do melhor ranqueado e Portugal, que é o sexto, só jogaria fora se o adversário fosse a Itália, único país à frente que ainda não se classificou, mas a condição de cabeça de chave tira desde já os transalpinos do caminho, assim como o outro dos três de melhor campanha. O mando da final, porém, será definido por sorteio.

Esta pode ser a única boa notícia para Portugal. A má é que o treinador pode muito bem ser o gajo da anedota, aquele incapaz de desviar da casca da banana.

sexta-feira, 12 de novembro de 2021

O relativismo de Renato Portaluppi é um retrato do Brasil

Renato, um brasileiro (Divulgação/Grêmio)

Renato Portaluppi elogiou a arbitragem do jogo entre Flamengo e Bahia, vencido ontem pelos cariocas por 3 a 0, em que seu time foi muito beneficiado pelo apito ao ter um pênalti imaginário marcado a seu favor, quando o placar ainda apontava um nulo e este lance acabou condicionando o restante do jogo. Pior, neste caso, é que o soprador de apito ainda foi alertado pelo VAR e, mesmo assim, brigou com a imagem e se abraçou ao erro. 

Fazendo uma busca rápida e com o recorte nesta edição do Campeonato Brasileiro, é possível encontrar reclamações dele nos jogos contra Cuiabá, Athlético, Chapecoense e InternacionalVê-se que o mesmo Renato reclamou, não sem razão, quando se sentiu prejudicado em outros jogos - e de fato foi -, mas achou legal falar bem antes mesmo de ver o lance, como ele mesmo admitiu, e ainda se justificou citando o fato de que pênalti fora marcado em campo e revisado, o que, na sua visão estreitada pela possibilidade de ganho, ratificaria qualquer decisão, mesmo que equivocada. Renato é o retrato do Brasil.

Este comportamento mostra que ele não está preocupado com o nível da arbitragem, e sim que está preocupado em ganhar, mesmo que isso aconteça com a ajuda de quem tem o poder de mudar o resultado dentro das regras, que é a equipe de arbitragem. Renato, assim, perde completamente o direito de chiar quando for prejudicado.

O cenário é ainda mais agravado dentro do contexto do futebol brasileiro, no qual a cultura existente é a de induzir a arbitragem ao erro favorável. A reclamação pela reclamação nada mais é que um investimento visando ao ganho no lance seguinte. Reclama-se de tudo, simula-se a torto e a direito, joga-se a arbitragem, que já não é lá essas coisas, contra a torcida.

Profissionais como Renato Portaluppi não agregam em nada. A imprensa, e eu me incluo nisso, costuma passar o pano porque ele é um grande personagem e isso é inegável, mas não o coloca acima do bem e do mal. Renato, ao cabo, é só mais brasileiro que adora ser beneficiado e reclama mesmo quando não tem razão.

É o comportamento típico de quem não devolveria um troco eventualmente devolvido a mais, de quem torce por favores, por benesses,  mesmo que sejam à margem da lei e em todos os níveis, desde o cafezinho para o guarda à propina do fiscal.

segunda-feira, 8 de novembro de 2021

Amor e esperança: 10 anos de Barcelusa

*Texto publicado originalmente no Netlusa

Foto: Agência Estado

Recebi, pela manhã, o trailer do documentário “Barcelusa, O Filme”, a próxima maravilha produzida pelo Acervo da Bola, no qual sou um dos entrevistados. Com o perdão da repetição, um filme passou na minha cabeça.

A criação do termo, numa troca de mensagens despretensiosa com o também jornalista/lusitano Flávio Gomes, e que ajudou a tornar imortal para o mundo um time que já o seria para a torcida; a comoção no Canindé a cada jogo mais pintado de rubro-verde, a faixa virada, o acesso, o título, a beleza, a imortalidade, a esperança.

“Vou torcer pra Lusa bebendo vinho. A Série A é o meu caminho!” era o mantra que emanava na Casa Portuguesa, jogo sim, jogo também. O futebol bonito, vistoso, os apelidos dados pelos torcedores: Ananiesta, Xavi Antonio, Leonedno Messi, Canindé Nou. Enfim, o orgulho. Enfim, a Portuguesa.

Orgulho. Força. Superação. As vezes em que o retorno ao nosso lugar ficou no quase, na trave, a um ponto, a três pontos, por detalhes. Tudo isso ficou para trás quando o capitão Marco Antônio acertou o pombo sem asas para empatar o jogo; quando o Luís Ricardo deixou meio Sport pelo caminho para virar o placar; quando o 2 a 2 foi o suficiente para soltar o grito de campeão que tanto queríamos. E que fomos. E que somos.

O vira que a Lusa fez o Brasil dançar, simbolizado na faixa que a Leões virou quando o acesso deixou de ser mera questão matemática, talvez seja o ponto alto de tanta grandiosidade, de um momento em que a Portuguesa mostrou qual é o seu lugar no cenário do futebol brasileiro.

Em 10 anos, muita coisa aconteceu e quase tudo de ruim caiu sobre a cabeça de quem carrega a Cruz de Avis na camisa e a Portuguesa no coração, mas não tratemos disso hoje. Pelo menos por hoje, na data que marca os 10 anos do título que coroou o futebol mais bonito do país, falemos somente dos substantivos abstratos que pulsavam naquele 2011: amor e esperança.

O amor é incondicional, mas a esperança depende do ambiente para florescer. Rever o que foi aquela campanha reaviva a esperança de que dias melhores são possíveis; que a Barcelusa é eterna; que a Portuguesa vive.

sábado, 6 de novembro de 2021

Os idiotas e a elitização da Seleção Brasileira

Recebi no meu celular a notificação de que os ingressos para o jogo entre Portugal e Sérvia, que decidirá no próximo dia 14 uma vaga direta à Copa do Mundo de 2022, estão à venda. Não, não comprarei, mas fiquei curioso para ver quanto morre nessa brincadeira aí. Então, entrei no site da Federação Portuguesa de Futebol e vi que os bilhetes mais baratos, disponíveis para os setores atrás dos gols do Estádio da Luz, custam entre €10 e €12,5.

-Não pode ser!, pensei. Daí fiz o que tinha que ser feito: falei com quem mora lá para confirmar. É isso mesmo, este é o preço dos ingressos para ver qualquer jogo da Seleção de Portugal dentro do país! Como o salário mínimo em Portugal é €665 e a carga horária mensal é de, no máximo, 200 horas, o torcedor português que recebe a menor remuneração oficial do país (€3,325 por hora) terá que trabalhar por um poucochinho a menos de quatro horas (3h45min36, para ser mais exato) para poder adquirir a entrada mais cara entre as disponíveis. A mais barata custa 3h06 de trabalho, e ainda sobrarão 30 cêntimos de troco.

Que o torcedor brasileiro é tratado como idiota, não é novidade nenhuma. O que talvez a gente não note, ou se nota nem se importa mais, é que somos tratados como idiotas ricos - ou então como idiotas dispostos a gastar o que não temos para ver a Seleção Brasileira. No último jogo da equipe do técnico Tite em solo brasileiro, a vitória por 4 a 1 contra o Uruguai, pela 12ª rodada das Eliminatórias - para pegar uma competição equivalente -, as entradas mais acessíveis custaram R$125,00 (meia entrada). Como o salário mínimo no Brasil é R$1100,00 (sem os descontos), o torcedor brasileiro precisou ralar bem mais que o gajo que quererá ver Cristiano Ronaldo e cia em ação: deixou no mínimo 11,36% do que ganha pela entrada mais barata, que é o equivalente a 25 horas de trabalho, considerando a carga horária mensal de quem ainda está sob o regime da CLT de (220 horas), o que dá R$5 por hora trabalhada. Isso se ele tiver o direito ao benefício de pagar meia. Caso não, é só dobrar os valores e o tempo equivalente. Ou seja, sem a carteirinha, o tempo de trabalho ultrapassa uma semana - sem os descontos, é bom lembrar.

Ainda assim, a comparação é feita entre um jogo que, por mais que seja contra um rival histórico, o Uruguai, não passa de mera formalidade imposta pelas intermináveis 18 rodadas que, ao cabo, terão o Brasil classificado, e o jogo que decidirá o fado da Seleção Portuguesa, que dependendo do que arranjar na Irlanda no dia 11, jogará pelo empate ou precisando vencer os sérvios no estádio do Benfica para garantirem uma das 13 vagas europeias do mundial sem depender de passar pelo purgatório da repescagem, que nesta edição terá 12 participantes e pode haver gente grande por lá, já que Espanha, Itália e Holanda, assim como Portugal, ainda fazem contas, sem contar que pode aparecer um Haaland ou um Lewandowski pelo caminho.

Se formos incluir os gastos com o transporte, então, vai faltar maquiagem e nariz vermelho para tanto palhaço: por se tratar de um país pequeno, é possível varrer todo o território português de trem. Usando o trajeto entre as duas principais cidades portuguesas como exemplo, a viagem mais barata entre Porto e Lisboa leva 3h10 e custa €25,10. De ônibus, porém, sai a €19, mas leva de 3h30 a 4h25. Como o torcedor deverá voltar para casa, aplica-se o valor aproximado para o retorno e temos um gasto, entre ingresso e trajeto, menor que €100, isso se pensarmos em quem não reside onde o jogo será disputado. Se quiser, existe também a opção pelo trem de alta velocidade, o Alfa Pendular, que é mais caro - ou bem mais caro, de acordo com a classe escolhida -, mas ainda assim cabe na algibeira do trabalhador lusitano, que levará cerca de 2h40 até chegar à capital.

É óbvio que a realidade brasileira é outra, mas se atendo ao porte do local de partida até a cidade onde o jogo foi realizado, um torcedor que saiu de São Paulo pode ter gastado somente com passagens de ida e volta mais de R$2 mil reais, isso sem contar o custo de hospedagem na capital amazonense ou n'algures onde pudesse ter um teto sobre a cabeça, se considerarmos pouco provável que o torcedor/palhaço tenha voltado para casa logo após o jogo. Neste caso, quem conta as moedas para fazer o dinheiro preencher mais dias no calendário está automaticamente descartado.

Mais claro: perfil nas arquibancadas mudou (Foto: Conmebol)

Assim, não é preciso ser um gênio matemático para perceber que ver os jogos da Seleção Brasileira in loco não é um programa para qualquer bolso, e isso passa a ser aplicado aos clubes, que tem disputado - e perdido - o coração do torcedor tupiniquim com os ricos e bem organizados distintivos do futebol europeu. Também não é necessário ser nenhum deus da lógica para concluir que trata-se de um processo de gentrificação, há muito em curso na América do Sul para manter o pobre e o preto longe do negócio, mas este é tema para muito mais tinta.

"Geraldinos": pretos e pobres não têm mais lugar nas
modernas arenas brasileiras (Foto: Custódio Coimbra)

Por fim, outro gasto também incompreensível é o do tempo que a imprensa leva para discutir os porquês de a paixão do torcedor pela Seleção ter diminuído. Não é só porque o calendário atrapalha os clubes e a identificação com a “amarelinha” diminuiu. É pertencimento. É respeito. E respeito é um item que quem determina por onde e para quem a bola rola por aqui não costuma ter por quem paga as contas para além das bilheterias e camisas de 400 reais.

quarta-feira, 3 de novembro de 2021

É preciso mais, Portuguesa

*Originalmente publicado no Netlusa

Portuguesa/Divulgação

Não é necessário dizer que a derrota fora de casa por 3 a 1 para o Botafogo, pelas semifinais da Copa Paulista, deixa a Lusa novamente fora de qualquer competição nacional no ano que vem. Na melhor das hipóteses, o clube terá que vencer a Copa Paulista, que ninguém mais suporta ter que disputar, em 2022 para voltar à Série D em 2023. É um caminho longo, mas necessário. 

A atual gestão do clube tem feito um trabalho notável para recuperar a imagem da Portuguesa e tornar a sua existência viável. Tem conseguido, mas falta o principal: resultados dentro de campo. Por mais duro que seja, este é o único jeito.

A reconstrução é lenta. É a diferença entre dar uma ajeitada em uma casa condenada e reconstruir um imóvel firme. A longo prazo, a Portuguesa precisa de uma estrutura que impeça que ela bata e volte. Só que o futebol de competição exige resultados, ainda mais em um clube onde a política não é das mais amigáveis. 

Depois de temporadas a fio lutando como dava para não ser rebaixada à Série A3 do Campeonato Paulista e passando vergonha atrás de vexame na Copa Paulista, a Lusa precisava ser competitiva. Após a queda precoce na Série D de 2017, quando foi a última colocada de seu grupo, quase a Lusa caiu para a Série A2, escapando nas últimas rodadas; o mesmo filme em 2019, ano em que ficou somente dois pontos acima do primeiro rebaixado, o Nacional. Na Copa Paulista, torneio que disputa assiduamente desde 2017, a melhor campanha havia sido a semifinal no primeiro ano, quando perdeu para a Ferroviária, que viria a ser campeã. Depois disso, um fraco desempenho em 2018, caindo na primeira fase, e o descalabro de 2019, quando ficou na lanterna em um grupo de seis times em que passavam quatro e que tinha, entre eles, o Sub-23 do Corinthians, que também não avançou.  

Nas duas últimas edições da A2, a Lusa passou de fase e flertou com a volta à elite do Estadual, caindo nos jogos eliminatórios. Na Copa Paulista, além da chegada à malograda semifinal de ontem, a Portuguesa venceu a edição da temporada passada e, assim, voltou a disputar uma competição nacional, mas também ficou pelo meio do caminho quando começaram os mata-matas, o que tem sido rotina. Um clube que está no quase, batendo na trave, precisa entender onde está o erro para dar o passo que falta. Para jogos decisivos, além de times bem montados, é necessário ter no elenco jogadores talhados para estes momentos. E é assim em qualquer nível, seja na Copa Paulista ou na Liga dos Campeões. 

O ideal é haver tempo, mas no futebol brasileiro os resultados é que garantem a viabilidade de um projeto, não o contrário. Por isso, é urgente que a Lusa garanta um calendário nacional para, mais que ter  tranquilidade, conseguir o mínimo de condições políticas para que os mesmos que a jogaram no poço onde está não voltem, que é o que costuma acontecer quando grupos distintos disputam o poder.

Se há algo que a Portuguesa não precisa, são fórmulas mágicas ou receitas fáceis - e estes discursos barulhentos e vazios funcionam porque política é política em qualquer lugar. Somente o trabalho sério levará a nau lusitana a águas navegáveis. E de preferência com uma tripulação sem um histórico de naufrágios.