sexta-feira, 9 de dezembro de 2016

Pai, quanto é quatro mais um?


– Pai, quanto é quatro é mais um?
– É cinco, filho.
– E o que significa ênea?
– Ênea é o Palmeiras, filho! ENEAAAAA!
– Como assim, pai? O que significa?
– Sabe que eu não sei? Espera um pouco. Ênea? Hummm… Deixa-me ver – o pai abre o Google para pesquisar. Ah, tá aqui: ênea vem do grego e significa nove.
– É grego tipo o arroz à grega que a mãe faz?
– Não, não é.
– Então é tipo churrasco grego que vendem do outro lado da rua…
– Filho, não tem nada a ver com comida. É a origem da palavra. Ó, tá escrito aqui – aponta pra tela do celular. Mas por que você está perguntando isso?
– Pai, eu ouvi na TV que o último título brasileiro do Palmeiras foi em 94. O senhor falou que era… quando é oito, como fala?
– Espera aí, que vou ver e te falo – e desliza o dedo na tela do celular para voltar à página de busca. É octa, filho. Achei. Oito vezes é octacampeão.
– Então, tipo, o senhor comemorou dizendo que era octacampeão?
– Não, falei que era tetra porque o Palmeiras tinha sido campeão em 1972, 73 e 1993. E ganhamos em cima do Corinthians! O Rivaldo, que tinha jogado neles, arrebentou com o jogo. O Branco deve sonhar com ele até hoje.

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– Então o Brasil também é eneacampeão – insistiu o menino, pouco interessado nos detalhes da decisão de 1994.
– Não, é penta!
– Mas por quê?
– Porque ganhou cinco vezes.
– Mas aquele narrador lá que ficava falando “gol da Alemanha”…
– O Galvão Bueno, filho!
– Isso! ele mesmo. O Galvão Bueno, tipo, não tava abraçando um cara lá e gritando “é tetra”?
– Onde você viu isso, filho?
– Eu vi no Youtube, pai.
– Ah, tá. Estava porque aquela era a quarta Copa que o Brasil ganhou. O Brasil foi tetra em 94 e ganhou mais um depois, em 2002. E o “cara lá” que ele abraçava é o Pelé!
– Ué. O Palmeiras também era tetra e ganhou só mais um também. Como é ênea?
– …
– Pai?

sexta-feira, 2 de dezembro de 2016

Como passar vergonha em 11 passos

Quer queimar seu filme perante o país inteiro e causar uma vergonha eterna à sua torcida? É fácil. O Internacional ensina:

1) Contrate um treinador que irá tentar demitir por não gostar do seu estilo, mas que os resultados o manterão no cargo;

BODE NA SALA Diretoria colorada tentava se livrar de Argel
desde o Brasileiro de 2015. Excelente campanha e título no
Gaúcho seguraram o treinador (Feliz Zucco/Agência RBS)
2) Livre-se de seu capitão e maior ídolo da torcida, mesmo que nem ele ou a torcida queiram isso;

3) Monte um elenco com milhares de atacantes, meia dúzia de gringos de qualidade técnica duvidosa e um antigo ídolo do maior rival completamente fora de forma, mas com salário astronômico e contrato longo;

4) Demita o treinador e contrate outro que tenha identificação com o clube, mesmo que não tenha resultados que banquem a aposta;

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5) Mande-o embora menos de dois meses depois;

6) Aposte na velha receita do técnico-ultrapassado-que-sempre-volta-para-apagar-incêndio;

VOU, MAS EU VOLTO Milésima apresentação de Celso Roth no
 Internacional (Tomás Hammer/Globo Esporte.com)
 
7) Mande-o embora a três rodadas do fim do campeonato e praticamente afundado na zona do rebaixamento;

8) Para evitar a queda, apele pro tapetão;

9) Reclame publicamente se seu jogo for adiado devido a um acidente que vitimou praticamente um time todo e causou comoção mundial;
9.1) Compare a morte de mais de 70 pessoas ligadas à mesma modalidade esportiva à sua briga, que você pode chamar de "nossa tragédia";

"TRAGÉDIA PARTICULAR" Fernando Carvalho pisa
 na dignidade colorada (Tomás Hammer)
10) Na maior cara de pau, use a tragédia para tentar melar a última rodada e o quase inevitável rebaixamento;

11) Use seu elenco para isso.    
CEREJA DO BOLO Jogadores do Inter manifestam desejo de não mais
atuarem pelo Brasileirão, mas não falam sobre a posição final na tabela

Nada será como antes

por Leandro Marçal*

Sinto o mundo e o meu país se desmanchando e escorrendo pelo ralo. É como se entrássemos em um buraco negro sem fim ou tentássemos erguer as mãos em busca de socorro, enquanto afundamos em uma areia movediça criada por nós mesmos em nossa vaidade e ganância sem fim. Ganância essa que, na tentativa de diminuir custos, levou vidas, sonhos, destinos. Destroçou famílias e deu uma voadora na alma de quem não mora em Marte.

Inaceitável, revoltante. Nada será como antes. Não seremos as mesmas pessoas depois disso tudo. Sinto-me jogado em um liquidificador e ainda não processei isso tudo. Quem já passou pela terrível experiência da morte de pessoas próximas sabe bem a transformação sofrida na alma nesses momentos de necessária reinvenção interna. Dali em diante não seremos os mesmos, é impossível.

Sinto isso quando passo em frente à casa do meu queridíssimo amigo, sr. Ayrton, ao ver aquela minha foto de quimono ao lado do tio Manoel, quando os olhos de minha mãe se enchem feito água borbulhando ao contar histórias de meu vô Edezio ou me recordo dos últimos dias da tia Nice em cima de uma cama. Não fomos os mesmos depois dessas partidas.

Foi no fatídico 11 de setembro de 2001 que passei a entender melhor o quanto a vida é banal, frágil como meus ralos ralos de cabelo, muitas vezes nas mãos de quem não conhecemos e pouco se importam com nossa existência. Naquele dia chuvoso em que, ao passar da esquina, minha mãe resolveu que voltaríamos para casa e não haveria aula, entendi o quanto a violência e a maldade são traços inacreditáveis do ser humano (escrevi sobre isso aqui). 

Mudei depois daquele trauma. Como sinto que não serei o mesmo depois desta semana pesada. Tão pesado e denso, nos fez lembrar o quanto a vida é triste, Sizenando (leia aqui).

A tão necessária e ignorada empatia não me deixa, ainda, passar batido por qualquer matéria, entrevista ou conteúdo referente aos atletas, comissão, dirigentes e jornalistas que nos deixaram, me sinto entorpecido. Já não faz sentido a última rodada ou a final pendente no calendário brasileiro. Só nos bastam as necessárias e lindas homenagens, bem como as demonstrações de mau-caratismo dos que se aproveitam de tão delicado momento para um país, para os humanos. Este 2016 precisa acabar logo, se é que deveria ter começado. Ano cruel, vilão, sádico. Em todos os campos e segmentos.

Nada mais será como antes: a cidade, o clube, o futebol, as viagens, as famílias, os torcedores, a cor verde, a Sul-americana, a Colômbia, o Brasil, o 29 de novembro, a mídia esportiva, o mundo esportivo, o riso, o choro, o Atlético (ah, o Atlético Nacional...). Eu. Nós.

Nada será como antes.

*Leandro Marçal é jornalista e tem 25 anos

quarta-feira, 30 de novembro de 2016

Que horas são?

IMPLACÁVEL Pequeno torcedor lamenta a perda de seus heróis
 na triste arquibancada da Arena Condá (Nelson Almeida/AFP)
 

Acordei com o choro da minha filha, que está com o ouvido inflamado. Fui lavar o rosto antes de pegar o antibiótico. No celular, notificações de mensagens chegaram. Uma, duas, 10, 50. Cinquenta? Depois eu vejo. Tenho que dar o remédio da pequena. Voltei, já eram mais de 150. De várias pessoas e grupos. Todos os de futebol. O que aconteceu?

Abri. Não, deve ser brincadeira. No outro, a mesma coisa. E no outro, no outro, em todos. “Você conhecia os jornalistas?” “Viram o que aconteceu com o avião da Chapecoense?” “Que tragédia!” É um pesadelo. É um engano. Ligo o rádio, a TV, vou ao Twitter. Não, não é um engano. É a equipe da Fox. Deus do céu! O Mario Sérgio estava no voo. Puta que pariu! É verdade mesmo. Procuro por informações. O Danilo também morreu? Não, foi dado como morto, mas está sendo operado. A Teleantioquia deu que ele faleceu. Não, a mãe deu entrevista garantindo que ele está vivo. A Caracol também diz que morreu. Está ou não está? A imprensa, que deveria informar, está perdida. Desinforma. Prestação de serviço que não presta. Desserviço.

Olho para o relógio, mas segundos depois não me lembro de que horas são. Preciso de um café. Está garoando, mas preciso respirar. Saio mesmo assim. O tempo passa lento, o dia passa arrastado, o ar é pesado, denso. Que horas são? Olho para o pulso, mas deixei o relógio em cima da mesa.

Na mente o jogo de domingo. Bruno Rangel, Gil, Ananias, Caio Júnior. Os nomes não param de girar em volta da minha cabeça. Olho o celular e as informações continuam confusas. Danilo. Sobreviveu? Não? E o Follmann? Ah, amputou uma perna. Ele morreu também. Espera! Não, não morreu. Cacete! Jornalismo de merda esse que não informa, que não checa. Que tem pressa. Precisa sair antes do outro. Mas tá errado, chefe! Tanto faz, depois arruma.

Busco outra vez pela tela do celular. Mais mensagens. Muitas. Viu que o Tiaguinho ficou sabendo esses dias que seria pai? Recebo o áudio do Mauro Beting. Mario Sérgio estava decidido a deixar a Fox pela voz embargada do ex-companheiro de tela e de luta. Porra, o Mário! Sinto cortar o coração.

Aparecem os caça-clicks. “Veja as fotos do acidente”. “Veja a galeria de pessoas que fizeram selfies segundos antes da morte”. Malditos! Procuro abstrair, mas não consigo. Olho em volta e tudo se move lentamente. A rua parece um grande cemitério em movimento. Sem cor. O cheiro é de dor. É de morte.

Recebo pelo celular a lista com os nomes dos passageiros. Vejo amigos de amigos. Gente que vi no domingo, pela TV. Que não via há tempos. Com quem não falava há mais de um ano. Resolvo ligar para confortar quem também perdeu amigos, esses mais próximos que eu. Quanta pretensão! É impossível, mas vou mesmo assim. Falo com um, dois, três. Produtores, repórteres, amigos. Não pergunto como estão. Seria estúpido e desnecessário.

Volto para casa e vejo as horas. De novo me esqueço, segundos depois. Viu que o seu Benfica quer emprestar jogadores? Que bacana! Solidariedade sem gesto concreto é como abraçar árvore. O PSG vai doar não sei quantos milhões. Sério? Não, é mentira. Quem será o vagabundo que fica plantando isso?

Homenagens. Tottenham, Real Madrid, De Gea, Messi, Figo, o mundo. Liverpool."You'll Never Walk Alone". O Torino e o Manchester United também. Eles também sabem o que é perder um time de uma vez, o que é ver heróis e sonhos se espatifando após um voo infeliz. Minuto de silêncio nos clubes. Coletivas canceladas. Treinos suspensos. O dia acontece não acontecendo. Não deveria acontecer. O Vasco anuncia o novo técnico. Idiotas!

O distintivo da Chape está em todo lugar. Em todos os clubes. Até o Corinthians veste verde hoje. A Portuguesa, quebrada e falida, oferece ajuda. É bonito. É triste. Vejo o menino sentado, sozinho, na arquibancada da Arena Condá. É triste. O Atlético Nacional abre mão da disputa da final e pede o reconhecimento do adversário campeão. Amigos choram. Busco o relógio outra vez. Mero costume, cacoete. Não sei que horas são, mas não importa. Parece que o mundo está subindo uma ladeira com todo seu peso nas costas. Pesado. Sofrido. Lento. Estúpido.

Percebo que não almocei. Que mal bebi água. Minha filha dorme. Olho pela janela e já está escuro.

Que horas são?

sexta-feira, 25 de novembro de 2016

Amor, treinadores, mitos e outras drogas

por Leandro Marçal *

SEM ESCALA Do campo para o banco, o "m1to" assume a equipe em meio
à mais grave crise ética da história do clube (Igor Amorim/SPFCnet)
É difícil definir o acerto de Rogério Ceni como novo treinador do São Paulo. Não entendi nem absorvi direito esse anúncio, como ainda não compreendo esse 2016 maluco.

Nem é pelo fato de ser uma incerteza, por ser bizarra uma demissão a duas rodadas do fim de mais um campeonato medíocre do tricolor, ou por qualquer outra das intermináveis pataquadas que o clube têm se acostumado a se meter nos últimos (lamentáveis) anos de sua História.

Complicado é entender até que ponto a cartada é um tiro no escuro, tiro no pé, visão de futuro ou tentativa de blindar a diretoria.

Ok, ao menos a última alternativa é unanimidade entre os leitores de bom senso, acredito eu. Colocar o maior ídolo das últimas décadas no banco de reservas servirá para, em ano de eleições, ter um forte argumento caso haja mais um ano de fracassos deprimentes: “fizemos tudo o possível, até a camisa do treinador foi a 01, paciência”. Ponto para eles.

Entender o que leva um ícone com aura tão gigantesca como Rogério Ceni a aceitar seu ex-(único) clube para um desafio tão ingrato é o que me intriga. Será que ele pensa que não corre o risco de ser covarde e precocemente demitido como acontece por essas bandas em caso de má campanha? Não há receio de manchar tão longa história pelo tricolor em troca de uma massagem de ego dessas? Seria ele tão bom como técnico, a ponto de tirar o time dessa inércia, fato que mal conseguiu ajudar nos últimos anos em campo?

Sinceramente, ainda não sei.

Vejo essa aposta como semelhante àquela última atitude para salvar um casamento à beira do fim. Quando ele ou ela tenta uma cartada final, dessas que pode despertar um pouco daquele amor escondido no coração do cônjuge que mais parece um desconhecido.

A relação torcida-time não anda das melhores há algum tempo, hoje beira o descaso. Era nítido que cedo ou tarde Rogério ocuparia o lugar de treinador no São Paulo, mas por que tão cedo, por que logo de cara no clube em que fez história?

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Admiro sua coragem, confesso. Coragem por colocar em risco tudo o que fez, já que a última impressão é a que fica. Assim como suas defesas viraram DEFESAS e seus frangos eram FRANGOS com o passar dos anos, o agora TÉCNICO necessita estar preparado para DERROTAS, COBRANÇAS e um PESO do tamanho do mundo na nova função.

Como sempre deveria ser – e nunca o é –, precisa-se dar tempo, ter paciência e não pré-julgar o trabalho do ex-goleiro antes da hora.

Alguém acredita que cartolas farão isso, mesmo com o ídolo do clube? Eu não.

*Leandro Marçal é um jornalista de 25 anos, torce pelo Tricolor paulista e por um mundo menos hipócrita e com mais bom humor, embora esteja um tanto zangado com o seu Tricolor. E, apesar do nome de sambista, é incapaz de tocar um reco-reco. Ainda assim, é o Rei da Noite de São Vicente.

quinta-feira, 24 de novembro de 2016

Rogério Ceni e o populismo tricolor


Populismo. De acordo com o dicionário Michaelis, trata-se da "prática política que se baseia em angariar a simpatia das classes menos favorecidas e de menor poder aquisitivo pregando a defesa de seus interesses, geralmente através de ações paternalistas e assistencialistas." Trocando em miúdos, é uma prática usada para angariar apoio popular com medidas fáceis, mas não necessariamente eficazes.

Trazendo para o futebol, é jogar para a torcida.

A VOLTA DO QUE NÃO FOI O M1to chega para comandar o Tricolor
 sem experiência nenhuma na função. Será que basta? (Marcos Ribolli)

E jogar para a torcida é o que a diretoria do outrora clube-modelo São Paulo faz ao anunciar a contratação de Rogério Ceni para o cargo de treinador do time principal.

O ex-goleiro, que pendurou as luvas há pouco menos de um ano, pode até ser o grande ídolo da história recente sãopaulina, tendo conquistado tudo o que poderia com a camisa 1 (e depois 01) do clube, mas para ser treinador não basta ser o goleiro com mais gols, o jogador com mais jogos, vitórias e partidas usando a braçadeira de capitão. O buraco é mais embaixo.

Pode dar certo? 

Poder até pode, mas não será pelos méritos de uma diretoria que traçou um planejamento. Convenhamos, planejar não tem sido o forte dos cardeais do clube da Vila Sônia. 

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É impossível negar a identificação dele com o São Paulo, mas isso não basta. Pode conhecer o vestiário como ninguém, mas como é o Rogério Ceni treinador? 

A medida parece mais uma jogada para a torcida, ainda mais quando 2017 será ano eleitoral e o clube nunca esteve tão rachado. No ano passado, fizeram algo parecido ao repatriar El Dio5 Dirego Lugano, mais pelo que jogou no ano da graça de 2005 do que pelo restante da vitoriosa, mas decadente, carreira, como se, com a retirada do agora técnico dos campos, preencher a lacuna deixada pelo único líder incontestável fosse a melhor das soluções.

Não era. O problema era técnico. E não o técnico. Como agora também não é.  

sexta-feira, 11 de novembro de 2016

O resgate brasileiro no 3 a 0 do Mineirão

ALÔ, MAMÃE Avisa que eu tô quase na Copa (F Bezerra/EFE)
Uma Argentina sem foco, sem nada; um Brasil coeso, firme, moralizado e dando espetáculo. Assim foi o retorno do Brasil ao Mineirão, palco do maior vexame esportivo do país. O 3 a 0 para a avassaladora equipe de Tite ficou de graça.

A Albiceleste até começou bem, com mais posse de bola, sem dar espaços, embora criasse pouco. Na verdade, foi apenas uma chance de gol, num chute de Biglia, já na metade da primeira etapa, que obrigou a Alisson a intervir brilhantemente. Aí tomou o golaço do Phillipe Coutinho, melhor homem em campo. E desmoronou.

O segundo gol brasileiro, após passe de mágica de Gabriel Jesus para a conclusão perfeita de Neymar, foi a pá de cal sobre nuestros hermanos, no último lance antes do recreio. Perdido, Patón Bauza voltou com Aguero no lugar do meia Enzo Perez. Perdeu na marcação, no desafogo, a qualidade na saída de bola, na criação e ganhou mais um peso morto no ataque.

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Sobre a Bola de Ouro de 2016

Se o Brasil, pelo tamanho do adversário, conseguiu sua vitória mais convincente, a Argentina foi ainda pior do que esteve nos dois jogos sem Messi, o sofrido e sofrível empate com a Venezuela e a derrota em casa para o Paraguai, quando foi plenamente dominada no Monumental de Nuñes. 

Messi, Di Maria e Higuain, principalmente no segundo tempo, estiveram irreconhecíveis. Paulinho, Renato Augusto e Marcelo voaram. Tite foi Tite e está resgatando o gosto de ver os jogos da Seleção, coisa que não acontecia há pelo menos 10 anos. Bauza, por sua vez, foi o nada que tem sido desde que assumiu o time. 

A ALEGRIA VOLTOU Com Tite no comando,
Seleção devolve ao brasileiro o tesão de torcer
 

quinta-feira, 27 de outubro de 2016

Sobre a Bola de Ouro de 2016

DÁ UM TEMPO AÍ, FERA Coleção de Lionel Messi não
deve aumentar neste ano (Divulgação/Barcelona)
No início da semana, a France Football divulgou a lista dos 30 pré-indicados ao Bola de Ouro de 2016. Vele dizer que é a primeira vez, desde 2010, que o prêmio não será dado em conjunto pela revista e pela FIFA. A outra novidade é que apenas jornalistas votarão (capitães de seleções e técnicos não participarão, o que faz com que o "voto pela camaradagem" perca força). Como correção, a inclusão de Buffon, que ficara imperdoavelmente de fora em 2015, e que fez, para variar, uma Eurocopa soberba.

A Eurocopa, inclusive, tem muito peso na confecção do rol, visto que Pepe e Rui Patrício e até o francês Payet estão com seus nomes lá. Os principais campeonatos nacionais europeus também contribuíram para que alguns de seus destaques também aparecessem: o milagre que atende pelo nome de Leicester (Léster, para os mais chegados) coloca dois jogadores na parada: Mahrez e Vardy. Pelos gols que fez ainda pelo Napoli, Higuain também está na disputa e Dybala, destaque no título italiano pela Juventus, também corre - muito - por fora. Já Ibrahimovic, que fez o que quis na fraca Ligue 1, está indicado por mero cacoete.

ANO DE GRAÇA Contratação mais cara da História quando chegou a Madrid, Gareth Bale
finalmente teve uma temporada à altura do investimento (Rex Feature)

Se o campeão europeu Portugal conta com três (entre eles o favoritão Cristiano Ronaldo, obviamente), o Brasil olímpico e dourado aparece apenas pela isolada presença de Neymar, que não fez nada de notável no ano, exceto pelo título olímpico quase Sub-23 e pelo papel de coadjuvante de luxo no chamado trio MSN.

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Como a inclusão do colombiano Borja, grande nome da conquista da Libertadores pelo Atlético Nacional, sequer foi cogitada, vê-se que eles ainda olham para a América do Sul como mero fornecedor de matéria-prima para a Europa, o centro desenvolvido do Planeta Bola. A última vez em que algum "forasteiro" marcou presença foi em 2011, quando Neymar ainda atuava pelo Santos. 
HOMEM-GOL Gols por atacado podem colocar o
 uruguaioSuárez entre os finalistas (EFE)

Pela falta de conquistas internacionais e pelo fracasso na Copa América, Messi corre risco de não figurar entre os três finalistas, exceto pelo conjunto da obra, o que seria inédito desde 2007, quando ficou em terceiro lugar na sua primeira aparição no palco da premiação. Neymar, então, é capaz que fique abaixo dele, o que seria natural, apenas para citar quem compôs, com Lionel e Cristiano, o trio que disputou a honraria em 2015. Griezmann, que ficou no quase tanto na Eurocopa quanto na Liga dos Campeões, teve um ano individualmente mais interessante que o argentino.

Meus votos, caso eu participasse do sufrágio, seriam do chuteira de ouro Suárez, de Gareth Bale, que carregou País de Gales nas costas durante a Euro e que foi essencial para a conquista continental do Real Madrid, e, é claro, de Cristiano Ronaldo, que nem jogou o que já jogou em temporadas anteriores, mas que ganhou um título por Portugal e arrebentou com a boca do burro na Liga dos Campeões e que está com a faca, o queijo e os tremoços na mão para abiscoitar sua quarta redonda e seguir na sua “guerra” particular com Lionel Messi.

BARBADA Artilheiro, campeão, protagonista e líder. Temporada dos
 sonhos faz votação virar mero protocolo (Carl Recine/Reuters)

segunda-feira, 17 de outubro de 2016

O Tricolor em tempos de cólera

por Leandro Marçal*

Fui chamado de pessimista quando, há quatro anos, dizia que o São Paulo corria a passos largos para um futuro rebaixamento. Há quase um ano e meio, previa um final infeliz que se aproxima neste mesmo blog, vendo o elenco similar a um funcionário de emprego estável que começa o expediente já pensando em bater o cartão ao fim do dia – nada contra a conduta, mas ela não cabe no futebol, sua paixão e competição. 

Eis que, pela segunda vez em quatro anos, o time do Morumbi luta, a duras penas, para não ser rebaixado no Brasileirão.

Se até há algumas semanas a torcida abusava do argumento “tem muito time pior, não cai não”, a situação fica desesperadora na reta final da competição.  A importantíssima vitória contra o tricolor carioca deixa o time com o nariz para fora da água, como um turista desengonçado que desconhece os perigos do mar quando não dá pé. 

Foram anos se apoiando na muleta de exemplo de gestão e profissionalismo, até o momento em que Juvenal Juvêncio se apropriou do clube como uma criança desligando o videogame e levando para casa após uma surra para os amigos no PES ou Fifa.

Quando JJ e Aidar romperam relações e o então presidente passou a tomar conta do clube de forma obtusa, estava escancarado o atraso de anos por quem tomou conta do clube diante de uma plateia de conselheiros amorfa, sem que houvesse oposição real a impedir erros grosseiros.

Os últimos anos no Morumbi têm lá sua semelhança com o país: anos de vacas gordas os fizeram acreditar que tudo podia e se aceitava, o bife macio demais para quem trabalhava em ambos cegou àqueles que deveriam pensar que a fase das vacas magras também chegaria junto com uma ruína de enormes proporções. A soberba precedeu a ruína. Até a troca de presidentes em meio ao mandato foi comum ao clube e à terra tupiniquim.

Junte-se a isso uma sucessão de elencos menos preocupados com resultados dentro de campo do que deveriam e a aposentadoria do único nome que representava alguma liderança em campo. Goste-se ou não de Rogério Ceni, é inegável que sua forte presença no time poderia dar um pouco de mais vontade a um time em que cada jogo mais parece uma sessão de tortura infinita para quem consegue manter-se acordado vendo os 90 minutos de tristeza tricolor.

Como cobertura e cereja desse bolo solado, o técnico não consegue resolver a insolúvel situação de um time em que a mera substituição do treinador pode ser mais um problema gigante de quem já teve essa condição.

Torcedor são paulino, lembre que um possível rebaixamento não foi construído de uma hora para outra e que os últimos anos da equipe que teve em participações medíocres na Libertadores e algumas boas classificações no Nacional a desculpa perfeita para jogar a sujeira por baixo do tapete.

O problema é que esse tapete está velho e sujo demais, a ruína precedida pela soberba de outrora pode ser ainda maior. E caso o time fuja de um fiasco humilhante nesse final, o ano começa como se nada tivesse acontecido e os mesmos erros reaparecem como em um looping eterno.

O fundo do poço é logo ali. E com medo da queda, o preço dos ingressos são cinicamente baixados para míseros 10 reais, pois agora lembram que o torcedor de massa é quem empurra o time e ele nem sempre - ou quase nunca - tem condições de pagar caro por isso.

Se esse já foi chamado de "O Time da Fé", só resta ao torcedor rezar muito pelo livramento da Série B de 2017.

*Leandro Marçal é um jornalista de 25 anos, torce pelo Tricolor paulista
 e por um mundo menos hipócrita e com mais bom humor, embora esteja
um tanto zangado com o seu Tricolor.
E, apesar do nome de sambista, é incapaz de tocar um reco-reco.
Ainda assim, é o Rei da Noite de São Vicente.

segunda-feira, 19 de setembro de 2016

O Time dos Sonhos

O tricampeão mundial Félix bateu o tiro de meta assim, curtinho, logo para a lateral da sua área. Tiro de meta curto pode, escanteio, essa invencionice do futebol moderno, não! Além do mais, um Time dos Sonhos que se preze sai jogando, não rifa a bola, ainda mais quando ao lado do guarda-redes está o maior de todos os tempos. Santos, o Djalma, evitou o contrário e acionou Brandãozinho, recuado para o miolo da zaga para que Capitão pudesse dominar, como em mais de 500 vezes, a cabeça-de-área. 

Cabeça de área, inclusive, tão ocupada por tantos cabeças-de-bagre. Não é o caso do Time dos Sonhos, em que Capitão orienta o passe do lendário filho do mítico Brandão, contratação mais cara até então no país, a jogar com Marinho Peres, sobrevivente da Noite do Galo Bravo, que sequer existiu. 

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O fim do mundo e o ufanismo barato

Zé Roberto, jovem e ainda careca, recolhe e afunila o jogo porque a lateral não é suficiente para ele. Foge da marcação e toca para Capitão, e o eterno cinco já chama o maior oito do mundo, Enéas, mais acordado do que nunca. Não, ele não dorme. Os outros é que estão em transe. Enéas percebe a passagem do genial Dener e só olha o Reizinho do Canindé passar por um, dois, três, o mundo. No Time dos Sonhos, Dener não dormia e a própria morte aplaude o drible que leva.  

O estilista da bola, efêmero como o tempo, esse senhor injusto, mas imortal como o Time dos Sonhos, passa a bola depois de desmoralizar quem a tentou tomar-lhe. Do Reizinho para o Príncipe, e a corte do futebol rende-se ao majestoso Time dos Sonhos. Bola de Ivair na direita, onde Julinho cala 100 Maracanãs lotados e avança impávido e, no fundo, deixa Pinga na cara do gol, habitat natural do maior goleador do Time dos Sonhos.

Oto Glória, glória maior entre todos os treinadores, olha para o banco com a serenidade de quem encontra Orlando Gato Preto, Zé Maria, Noronha, Ditão, Servílio, Henrique Frade, Dicá, Cabinho, Edu, Toninho, Rodrigo, Leandro, Paulinho MacLaren, Simão... Oswaldo Teixeira Duarte sorri - o Time dos Sonhos está em campo.

O Time dos Sonhos desperta raiva, medo, respeito. Ninguém sente pena e não há tribunal ou administração ruim capaz de derrubá-lo.

O Time dos Sonhos é imbatível. 

Não quero acordar.

quinta-feira, 25 de agosto de 2016

O fim do mundo e o ufanismo barato

O Rio de Janeiro fez uma Olimpíada linda. Virou motivo de orgulho. Ora, o brasileiro é cordial e hospitaleiro por natureza. E gosta de festa, como foi durante a Copa de 2014. Seria notícia o contrário.

Achar que o brasileiro seria incapaz de fazer só pelo fato de ser brasileiro é mais que pobreza de espírito, é burrice mesmo. No entanto, achar que os jogos foram espetaculares só porque foram feitos por brasileiros também não passa de ufanismo barato.

Isto posto, não há lá muito mérito no que foi feito. Bastava ter dinheiro. E teve. E muito. O problema é que, muito dessa festa foi feito com dinheiro público, diferentemente da promessa inicial. O mesmo que falta para assentar famílias há décadas; para equipar hospitais públicos; para investir em programas de saúde preventiva, o que desafogaria o SUS; para garantir um ensino público minimamente decente.

O problema, como o que pode ser visto no relato do enorme jornalista Jamil Chade, correspondente internacional do Estadão e autor de livros sobre os bastidores das escolhas das cidades-sede para as maiores competições, é a farra, é o desrespeito pela legislação daqui.

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O ídolo de papel

O prefeito do Rio, Eduardo Paes, bate no peito para falar que entregou todas as obras (nos complexos esportivos) a tempo e nenhum evento foi comprometido, além dos que seriam testes para os jogos, mas se esquiva para falar do estouro do orçamento inicial, que foi socorrido com isso mesmo que você está pensando: dinheiro público.

Podem acreditar, o Rio de Janeiro continua lindo, como seria sem a realização dos jogos. E com os mesmos problemas que foram praticamente escanteados pela imprensa que cobriu o evento: os Correios atrasaram a entrega de material de treino de alguns atletas; a Vila Olímpica era um desastre, com inúmeros apartamentos apresentando toda sorte de problemas; motoristas não sabiam o caminho para as arenas, estádios e/ou CTs; uma das seleções passou a noite da véspera da disputa da semifinal da sua modalidade lavrando um B.O. porque teve seus equipamentos furtados e a concentração foi para o beleléu. 

O próprio treino antes disso foi para o espaço porque a equipe só pode chegar ao local de treino às 18h30 (por culpa do Rio 2016), quando este estava marcado para as 16 horas, e não havia luz natural no local. Enfim, nada de surpreendente.

O que espantou mesmo foi a cegueira de quem estava lá do lado e não viu.

Da mesma forma que não é surpresa que não aconteceu o armagedom que alguns estrangeiros – e brasileiros mais céticos – previram: ninguém morreu em decorrência do zika vírus, nenhum aparelho de som apareceu boiando nas provas aquáticas, o ISIS não cometeu nenhum atentado, não passamos vergonha, mesmo com a Anitta cantando com Gil e Caetano na abertura, que foi lindíssima. 

Não foi o inferno que temiam, mas também não foi o paraíso que querem vender. 

segunda-feira, 22 de agosto de 2016

O ídolo de papel

Minha boa vontade com o Neymar durou dois dias, se muito. 

O verdadeiro Neymar não é o que jogou para o time, o que chorou após o pênalti convertido. É o que vomitou um monte de bobagens ainda no gramado, o que não admite ser cobrado, ser contrariado. É o que abriu mão da tarja de capitão no time principal, como se ela fosse sua propriedade e ele tivesse tal poder.

Não era pressão. Era raiva.

Neymar não dá um passo sequer sem que seja meticulosamente planejado. É um craque? Sim, mas não está nem entre os 100 maiores jogadores da história do futebol brasileiro, para não dizer do mundial. Suas conquistas são suas, individuais. Para o Brasil não dizem nada.


No contexto de um futebol que já havia ganho quase tudo antes mesmo de ele nascer, Neymar é um nada. Um nada milionário e cheio de fama, é verdade, mas é um traço. É um cara que não tem a dimensão da idolatria que infelizmente provoca, pois é um espelho para muitos jovens. É um ídolo de papel.

Vamos ter que engolir o quê? Por quê? Só porque ganhou um campeonato sub-23 jogando contra ninguém?



sábado, 20 de agosto de 2016

O ouro e a humanização de Neymar

O MUNDO NAS COSTAS DE NEYMAR Neymar se reinventou
durante a competição e foi o grande nome do Brasil na
conquista do inédito ouro olímpico (Reuters)
 
Finalmente o Brasil fechou a coleção de títulos possíveis do futebol mundial. Sob o comando de Neymar, sim senhor, o time amarelo não amarelou e colocou a medalha dourada no peito pela primeira vez.

Como toda a Seleção, o camisa 10 começou o certame apagado, quando mais apareceu ao se negar a dar o entrevista para a qual estava escalado após o pífio empate sem gols contra o Iraque, na segunda rodada. Mesmo sem falar, falou mais do que se tivesse falado.

No entanto, o que parecia caminhar para mais uma campanha fracassada pós 7 a 1 entrou nos eixos a partir do momento em que o craque barcelonista também o fez. Grande destaque do time da terceira rodada em diante, quando passou a jogar para os companheiros e, ao descer do pedestal de craque inquestionável que julgava ser, cresceu como nunca. 

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Coube a ele o pênalti decisivo, depois do chute defendido pelo goleiro Wéverton, que chegou em cima da hora com o corte do titular Fernando Prass e foi o herói do imponderável. Com frieza, seriedade e calma, Neymar mandou no ângulo esquerdo do gol e, humano, caiu no choro. Caiu também a ficha da sua importância na retomada do futebol brasileiro, que certamente não acontecerá a partir dos cartolas.

Então que comece de dentro pra fora, como foi quando Dunga caiu. Ele dirigiria um time que foi preparado por Rogério Micale, em mais um erro clamoroso que seria cometido pela CBF, e só caiu pela falta de resultados, não pela pobreza assustadora do futebol que não apresentava em campo. Tite chegou e abriu mão do time olímpico. Neste momento o sonho da medalha de ouro passou a ser tangível.

Que o título, e aqui não faço juízo de valor sobre sua importância, não seja uma camada de maquiagem sobre o verdadeiro rosto do futebol brasileiro, que carrega uma expressão feia, cansada, ultrapassada. Que seja entendida a dificuldade para bater uma Alemanha muito organizada, no primeiro jogo em que teve ante de si um adversário realmente decente que o Brasil enfrentou. Uma Alemanha que veio apenas com um jogador da equipe principal, que desde o começo sabia o que queria e como queria.

E que Neymar tenha entendido que, sendo apenas mais um, pode ser o principal.      

sexta-feira, 15 de julho de 2016

De Aljubarrota a Paris



O fado representa mais que a identidade portuguesa. É a própria alma lusitana. O drama. O destino. A luta. A batalha. A dor. O amor.

Desde sempre foi assim: Portugal se acostumou às grandes batalhas. No Campo de São Jorge, a 1385, quando tinha um décimo dos soldados que tinha o inimigo de Castella e que era apoiado pelo exército francês, os comandados por Nuno Álvaro Pereira saíram do jugo de Castella e Aragão e iniciaram a Dinastia de Avis e a época de ouro das grandes navegações.

Houve épocas em que teve que recuar, até fugir. Como quando as tropas de Napoleão, implacáveis, invadiram Portugal a partir da Espanha e ficaram a ver os navios com a família real atravessando o Atlântico para instalar a coroa aqui. Napoleão, no exílio, admitiu que D. João VI fora o único a enganá-lo.

Mas deixemos o mar.

Quando a Eurocopa começou, os lusos chegaram credenciados por um cartel respeitável: Portugal, a única seleção européia a estar ao menos nas quartas-de-final das últimas cinco edições, desde 1996. Não só isso: por muito pouco não eliminou a França, em 2000, e a Espanha, em 2012. Caiu nas semifinais para equipes que foram campeãs.

Mas isso pouco importava.

A imagem lusa para o mundo era o choro da inimaginável derrota de 2004. Em casa. Com Figo e Rui Costa em campo. Com Felipão, campeão do mundo. E Cristiano Ronaldo começando a escrever sua história.

Mais valia ter o fracasso como base e julgar pela campanha ruim da primeira fase, em um grupo dos mais acessíveis. Sim, foi ruim. Foi feio. Foi abaixo do que qualquer um poderia imaginar. Tivemos sorte de um regulamento questionável permitir que fosse possível avançar com três empates.

Mas não temos culpa.

Esta, porém, tem quem não quis ver que Portugal mudou, que se reinventou durante a prova. O time que mais chutava a gol, que buscava a ter a bola. Foi preciso reconhecer suas limitações e fortalecer a retaguarda para impelir avanços de tropas inimigas.

Para os críticos, do Novo e do Velho Mundo, Portugal é um país fadado ao insucesso. Fomos chamados de nojentos em França. Aqui no Brasil, era a Seleção de um jogador só, que cairia cedo ou tarde, que nunca foi nada.

A cada fase, o favorito era o adversário de Portugal, seja quem fosse. Croácia, Polônia, até País de Gales. E, enfim, a França.

E era loucura mesmo apostar em Portugal na final. Enfrentaria a dona da casa, com mais camisa, mais time (embora sem um protagonista de respeito), com a torcida toda a favor, com o Saint Denis lotado a cantar Allez Le Bleus. E com o retrospecto todo a favor, posto que não perdia para o oponente da decisão havia 41 anos.

Perto de Aljubarrota, isso era só mais um reino a ser vencido.

Quando Cristiano tombou, aos 8 minutos, houve um rearranjo no tempo e no espaço. Voltamos a 2004. Os medos todos. Os fracassos. A bola na trave. O gol de ouro. Poborski. A morte súbita. A França. Alcácer Qbir. A Grécia. A França.

A França, que ficou anestesiada. Inexplicavelmente, não cresceu. Não teve volúpia, como quem perde a referência, o ponto a ser mirado. Portugal viu seu capitão tombar e agigantou-se. O choro do herói caído foi o aditivo que faltava aos outros 22 heróis. Todos eles. Os navegadores todos no mar verde de Paris. Cabral. Vasco da Gama. Coluna. Eusébio. E uma nova página a ser escrita. Camões, Fernando e todas as suas Pessoas dentro de 11 camisas.

Quando acabou o tempo normal e Cristiano Ronaldo voltou ao relvado, foi mais que um adjunto de Fernando Santos. Ronaldo foi 11 milhões de portugueses. Cristiano Manuel. Cristiano Joaquim. Ou Antonio. Ou Aurora. Ou Jorge. Ou Maria. Ou Éder, o herói improvável. E o improvável para os outros aconteceu. Para os outros!

Portugal cresceu quando precisou e mostrou o seu tamanho ao mundo. 2004 finalmente acabou. Para desespero de quem se acostumou a nos olhar por cima dos ombros. Que nos respeitem como grandes que, enfim, somos.

*Texto originalmente publicado em psicodoidera.com.br