segunda-feira, 29 de setembro de 2025

Pílulas amadoras - 28

 *Por Humberto Pereira da Silva


O pênalti perdido pelo Yuri Albert contra o Flamengo foi bizarro? Foi irresponsabilidade? Ele, provavelmente tenso, chutou o chão. A bola mal ganhou altura e ainda, caprichosamente, como se por vingança, literalmente caiu no colo do rubro-negro Rossi. 

Irresponsabilidade, se alguém quiser dar peso às palavras que usa, é muito pesado. Claro, posso me esquivar: foi um desabafo, tipo soltar um palavrão com a "inexplicável" decisão de uma cavadinha na frente de um goleiro herói, pegador de pênalti, que classificou seu time dia desses ao pegar duas cobranças. O pênalti perdido, nas circunstâncias, é realmente pra soltar um "irresponsável" para não falar alguma baixaria. 

Pênalti, no entanto, é um dos mitos no futebol. Erro e acerto, céu e inferno. Herói e vilão. A glória ou a danação. Pênalti perdido com cavadinha é, acho eu, um dos lances mais patéticos do futebol. Expõe o batedor ao ridículo.

Se for gol, contudo, jamais ouvi a acusação de irresponsabilidade, e sim a virtude do sangue frio em um momento tão tenso. Atribui-se ao folclórico treinador e grande frasista Neném Prancha que "o pênalti é tão importante que deveria ser batido pelo presidente". Os caprichos com o sentido das palavras: irresponsabilidade e frieza se permutam entre o bem e o mal.

Yuri foi irresponsável. Nas circunstâncias do jogo, diz o comentarista com toda paixão, não é hora de gracinha, bate forte. É, já vi dezenas e dezenas de bolas isoladas quando se bate forte, sem gracinha. De boas intenções, o inferno está cheio, inclusive de batedores de pênaltis. 

É, diz o mesmo comentarista, pênalti não é força! Mas, e se o goleiro acertar o canto? É fácil. Pênalti pessimamente cobrado, Yuri teria avisado o canto, ou, como diriam os locutores de antanho, telegrafado a batida.

A decisão do batedor na hora da cobrança envolve uma infinidade de variáveis. E ele sabe perfeitamente que qualquer que seja a escolha estará entre o céu e o inferno. Mas, a acusação de irresponsabilidade de Yuri é pesada porque irresponsável, convenhamos, é uma maneira para mim de irresponsavelmente ofender. Ora, quem decide dar uma cavadinha no pênalti é irresponsável. É isso?

Mas então, mesmo tendo chutado o chão, tivesse a bola, por menor que fosse, outra trajetória e entrasse e... Yuri não seria irresponsável. Talvez sequer se notasse a batida patética e eu então diria que o comentarista em seu silêncio seria irresponsável ao não acusar Yuri de irresponsável, apesar do gol. 

Lembrança: na final da Copa de 2006, 0 a 0 no placar, entre Azzurri e Bleus, e pênalti para a França. Zidane frente a frente com Buffon. Zidane dá a cavadinha. A bola, caprichosamente, bate na trave e entra. Irresponsável, a decisão de Zidane. Só um irresponsável para dar uma cavadinha ao cobrar um pênalti numa decisão de Copa do Mundo.

Entre a cavadinha e a cabeçada em Materazzi, Zidane não será lembrado pela ousadia na frente de Buffon, um dos maiores do seu e todos os tempos. 

Ao cabo, irresponsável ou ousado, quem decidirá o adjetivo, obviamente, é a bola.

*Humberto Pereira da Silva é professor de Ética em Jornalismo