segunda-feira, 6 de novembro de 2017

Cadê o cartão, juiz?

Torcedor do tricolor carioca comemora vitória
 no tapetão (Foto: Marcos de Paula/AE)
-Filho da puta!

Foi esse o grito que mais se ouviu quando o sibilar do apito combinou com a mão do árbitro apontando para a marca da cal. Pênalti claro, indiscutível.

– Mas ele se jogou!

O desespero era total, quase como a indignação contra quem teve a petulância de marcar a penalidade máxima contra os donos da casa no clássico. Total porque a violência triunfara e apenas a torcida do mandante pode entrar no estádio.

Seguiu-se um silêncio ensurdecedor, quebrado somente pelo grito solitário de quem converteu a infração em gol.

– Goleiro de merda! Esse bosta nunca acerta o canto!
– É só esperar, pular na bola e defender, caceta!
– Vendido! Frangueiro safado!

Especialistas se espalham nas cadeiras numeradas. Detratores também.

O ruído da intolerância ecoa nas mídias sociais, nas páginas daquele que detesta porque o alvo da sua ira ou joga no rival ou não defende as cores de sua equipe com o ânimo que deveria ter, segundo o tribunal das torcidas. E também no perfil de jornalistas-torcedores, representantes do próprio time, essa praga contemporânea, na crônica especializada.

Mas uma das regras que não constam nas 17 que regem o futebol é a da compensação, ainda mais se for a favor do mandante (alguns chamam de bom senso) e outro pênalti, nem tão claro assim, não tardou.

– Aê, caralhoooooooo! Cadê o cartão, juiz? Pênalti é cartão, tá na regra!

É óbvio que não está na regra, mas quem se importa?

Desta vez, o estardalhaço é geral e o gol, registrado por milhares de smartphones,que eternizam em bits o que antes era propriedade da retina, antecede o grito da torcida que percorre o gigante de concreto, vergalhão e tecnologia hightec.

A diferença entre o esfregar satisfeito das mãos e a ira incontrolável está somente no lado para onde aponta a mão do árbitro.

Ao fim da partida, o torcedor, que pagou caro pelo ingresso e foi achacado pelo flanelinha, vai embora feliz com o resultado, ávido por ouvir ou ler os jornalistas que bradam defendendo seu clube, tendo razão ou não. O que ele quer é um endosso, é um porta-voz do seu fanatismo, que tenta justificar como amor. Quem não servir-lhe de caixa de ressonância é parcial, jornalista-de-merda, torcedor do rival.

– Esse desgraçado é um vendido! Por isso que o jornalismo tá esse lixo! Enrustido de merda!

As canchas também formam especialistas em comunicação social.


Depois disso, estará pronto para encarar a semana, quando, com alguma sorte, receberá um troco a mais. E vibrará com isso como num pênalti inexistente a favor.

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