quarta-feira, 15 de dezembro de 2021

PORTUGUESA - Quase fomos

* Texto originalmente publicado no NetLusa


Era um dia diferente. Era um domingo diferente. Era dia de decisão do Campeonato Brasileiro, algo especial por si só. O pessoal de hoje, com seus extremos desequilibrantes, wingers, box-to-boxes e hat-tricks, não faz ideia, mas campeonato com final era legal pra caramba, não essa bobagem de pontos corridos em que “todo-jogo-é-decisivo”. O escambau que é!

Só que aquele 15 de dezembro de 1996 não era igual aos outros 25 dias parecidos que aconteceram desde 1971 (repitam comigo: “O Campeonato Brasileiro começou em 1971"): nenhum deles teve a honra de ter a Portuguesa em campo. E com a vantagem de ter vencido por 2 a 0 o primeiro jogo, numa quarta-feira de muita chuva e atuação de gala de Gallo, Caio, Zé Roberto e Rodrigo.


Para chegar ali, foi preciso passar pelas águas tortuosas das 23 rodadas da primeira fase, que distribuía oito vagas para o mata-mata. Na última delas, a gente estava em 11º lugar e dependia de uma combinação enorme para passar: era preciso torcer contra três dos quatro concorrentes às duas vagas que restavam (Goiás, que jogaria com o classificado Grêmio em Porto Alegre; Internacional, que visitaria o rebaixado Bragantino; Sport, que visitaria o também classificado Palmeiras; e São Paulo, que pegaria o eliminado Paraná, fora de casa), além de vencer o Botafogo, campeão em título, mas que não brigava por nada. 


Como o Canindé havia sido interditado porque alguns gênios resolveram atirar objetos no gramado na partida com o Vitória, os últimos dois jogos como mandante da primeira fase foram disputados longe, bem longe, da nossa casa. Pior: o time vinha de duas derrotas seguidas, para o Internacional em São Januário, no primeiro dos jogos em que cumpriu a punição, e para o Coritiba, uma sova de 4 a 0.


Aí, o inesperado: um incontestável 4 a 1 no Fogão, com direito a cai-cai quando o goleiro Clemer se preparava para bater um pênalti, combinado com as derrotas do sétimo colocado Inter (gol do ex-luso Esquerdinha) e do oitavo Sport, e o empate do Tricolor, bastaram para a Lusa avançar. Por força do imbecil regulamento da época, os jogos a partir das quartas-de-finais não poderiam ser disputados no Canindé, que não tinha a capacidade mínima exigida para dali em diante. Toca para o Morumbi, então.


Desde o milagre da última rodada, tudo parecia possível. Bater o líder Cruzeiro? Opa, tranquilo. Toma um 3 a 0 aqui com show do saudoso Alex Alves. Veio o grande Atlético Mineiro, que ainda não era esse troço cheio de grana de construtora e nova vitória “em casa”, mas pela margem mínima. Havia ainda, no Mineirão, mais de 80 mil vozes enlouquecidas gritando “lutar, lutar, lutar!”. Lutamos, viramos e seguramos um 2 a 2 com a força das nossas almas. Quase não deu, mas deu. 


Faltava a final com o copeiro Grêmio.


Que dias foram aqueles! Como o Guarani e o Palmeiras rodaram já na segunda fase - e cabe um adendo aqui: os quatro melhores colocados foram eliminados por quem teria que decidir a sorte longe de casa e as semifinais foram disputadas por Atlético Mineiro, Goiás, Grêmio e Portuguesa. Voltando, como o Bugre e o Verdão dançaram, a Lusa foi a única representante paulista dali em diante e, exceto os gremistas e um ou outro ser de coração ruim, todo brasileiro que não era indiferente ao futebol vestiu nossas cores. E foram todos muito bem-vindos. Eu mesmo cansei de levar amigos que não tinham a sorte suprema na vida de serem torcedores da Portuguesa ao Canindé. E todos com camisa da Lusa, emprestadas por mim, claro. Por que diabos não receberia de bom grado este reforço de última hora? Acho que todo mundo tem direito de ser feliz na vida, mesmo que por somente 90 minutos.


Desde que Clemer fez uma defesa sobrenatural no chute do volante Moacir - que seria um dos nossos no ano seguinte - e segurou o 2 a 2 no Mineirão, o Canindé havia se tornado o epicentro do futebol brasileiro. Imprensa todos os dias, páginas, páginas e mais páginas dos jornais, Globo Esporte na hora do almoço. Galvão Bueno gritando “ééééé da Luuuusaaa!” (com licença, Flávio Gomes) no domingo. Era tudo nosso e tudo era Lusa. 


No primeiro jogo, disputado sob um dilúvio, Alex Alves seguiu endiabrado. Foi ele quem sofreu a falta na qual saiu o primeiro gol. Marco Antonio, lateral que substituiu Arce, foi expulso e, segundos depois, a perfeição esteve no gramado, na forma da cobrança de Gallo, da meia lua, no ângulo de Danrlei. Um golaço. Mesmo com um a mais, o nervosismo lusitano era flagrante e o Grêmio, forjado para jogos como aquele, perdeu um caminhão de gols. Ainda assim, o 2 a 0, reforçado pelo tento de Rodrigo, outro jogador em estado de graça e craque daquele campeonato, nos levou ao Olímpico podendo perder por até um gol. A vantagem era grande demais. Até então, somente em uma ocasião um time havia conseguido superar uma desvantagem dessas.


Era o Grêmio.


O início do jogo foi o pior possível. Uma posse de bola besta perdida no campo de defesa, um escanteio. A bola mal rebatida e o gol de pé esquerdo do destro Paulo Nunes. Três minutos de jogo. 55 mil pessoas fazendo o Olímpico tremer. “Era tudo o que o Grêmio queria!”, disse Galvão Bueno. Avizinhava-se, pois, o inferno. Mas não. A Lusa fez-se cascuda nos jogos com os mineiros, quando segurou o melhor time nas quartas e virou o placar nas semifinais, cedendo o empate já no fim, mas era o suficiente. Com os nervos no lugar, a Lusa colocou a bola no chão, equilibrou o jogo e criou chances para empatar com Rodrigo e Caio. 


Desperdício. Fatalidade.


Já no fim do jogo, um aparentemente inofensivo arremesso lateral cobrado à altura do meio-campo encontrou Carlos Miguel desmarcado. Aos 39 minutos do segundo tempo, a única tática para quem precisa marcar é a absoluta falta de alguma tática. Daí, a bola esticada para ver no que dava. Ninguém avisou que o lance era morto e César, impecável até ali, cabeceou mal e a bola caiu no pé esquerdo de Ailton, destro como Paulo Nunes. E o chute saiu indefensável, na veia, tão improvável quanto a combinação de resultados da 23ª rodada da primeira fase. 


Frustração. Tristeza. Estávamos tão perto. No dia seguinte, fui à escola vestindo a camisa da Lusa, pronto para partir pra porrada com quem risse da minha desgraça. Mas não riram e, em vez de ser alvo de toda troça, plenamente justificável, ouvi aplausos, o que me deixou irritado na mesma. 


Jamais tive coragem de rever aquela final e este relato pode ter alguma das confusões que a memória nos prega e, 25 anos depois, ainda me pergunto o que teria sido de nós se Caio tivesse marcado o gol depois da saída errada de Danrlei, se Rodrigo tivesse devolvido a bola para o Alex Alves quando eram os dois contra um zagueiro só. Ou se Rodrigo não chutasse em cima do Arce a última das chances claras da Portuguesa antes do Sobrenatural de Almeida vestir a camisa gremista. 


25 anos depois, agora me pergunto: o que será de nós?


Sem comentários: