sexta-feira, 3 de março de 2023

O feijão com arroz que não fizemos e a fome que passamos

Foto: Ronaldo Barreto/NETLUSA

“Somos mais de 200 milhões de treinadores”. Esta frase define, de certa forma, a relação do brasileiro com o futebol. É óbvio que há um inchaço digno de discurso político neste número, mas a ideia é muito clara, partindo da premissa equivocada de que todo mundo que nasceu nessas plagas tem interesse no esporte bretão: quem gosta de futebol entende de futebol.

Não deixa de ser verdade. Quem gosta de futebol sempre tem a ideia que salvará o ano, que é só contratar este e aquele e pronto. 

É assim e não é assim. Tudo depende do tipo de futebol que pode ser apresentado. Quando os pilares da formação de uma equipe confluem, é possível escolher o tipo de futebol que será apresentado, ou pelo menos que se tem por objetivo.

E quais são os pilares? Estrutura, conhecimento e apoio, e aqui também entra o tempo necessário para as ideias serem assimiladas pelo grupo de jogadores. É muito teórico, não?

Sim, é teórico pra cacete, mas dá pra deixar a ideia mais clara: i) é preciso haver condições financeiras e materiais para que o restante seja posto em prática; ii) o grupo de trabalho dentro de campo necessita de segurança para que não sejam os resultados que mantenham o projeto, mas o contrário; e iii) quem determina o que, como e quando será feito, deve entender do que se trata para que a evolução possa ser detectada, em vez de um surrado e mentiroso “fulano segue prestigiado”, o que, no futebol, é o mesmo que “vamos nos reunir mais tarde e mandar toda essa malta embora”.

Mas e a Portuguesa? Tem isso?

Não, não tem. Se os três pilares acima mencionados não existem juntos, é aqui que as ideias simples devem ser colocadas em prática. Em primeiro lugar, entender o tamanho das próprias pernas e ter ideia de quantos passos terão de ser dados para chegar ao outro lado, que é terminar o Campeonato Paulista livre do rebaixamento.

Simples, né? É. E é quando entra o entendimento do que se está fazendo. Buscar jogadores que se encaixam no sistema de jogo proposto, que formem uma equipe e que deem resultado no menor tempo possível. Ah, não vai ser bonito, não vai ser campeão, vai ser sofrido. Vai, mas a chance de terminar vivo o diabo do campeonato é maior.

Que tipo de time pode ser montado? Um que se defenda até a última gota de suor e saia correndo na primeira oportunidade? Beleza, é o tipo até mais barato de se fazer, o que é bom. É como preparar uma refeição em casa. Vemos o que temos na despensa e na geladeira, usamos o que serve e vamos atrás dos outros ingredientes. E compramos, dentro do orçamento, somente o que vai na receita.

Mas até para isso é preciso ter método, ter entendimento de mercado e, principalmente, um nome de respeito nos bastidores para atrair jogadores dispostos a acreditar, em vez de trazer o que tem disponível e ver no que dá. Normalmente, não dá.

Vimos no que deu.

Deu que dependemos de um milagre. Dependemos da incompetência alheia ser maior que a nossa, mas ainda assim talvez – e é um talvez quase certo – não seja o suficiente, pois não basta que dois de três adversários tropecem, pois temos que superar outros dois adversários.

E o mais difícil somos nós mesmos.

Texto originalmente publicado no NETLUSA

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