segunda-feira, 7 de julho de 2014

Os vilões, a vítima e a testemunha

Por Vinicius Carrilho*

Não há nada como uma Copa do Mundo. Isso é um fato e o mundial que vivemos neste ano prova a cada dia tal afirmação. Diria Nelson Rodrigues que “sem paixão não dá nem pra chupar um picolé”. Portanto, começo dizendo que esse papo de imprensa imparcial não existe. Quem escreve as letras dos textos, a voz que ecoa pelo rádio ou aquela pessoa que surge na sua TV é um humano e, como tal, carrega consigo emoções, lembranças, preferências, ideologias.

Porém, tal situação não isenta os profissionais de comunicação de um dever básico: a responsabilidade. Em uma dessas passagens da vida, ouvi algo que sintetiza bem o que nós, jornalistas e comunicadores– principalmente os de grandes veículos – deveríamos sempre ter em mente: cuidado para não usar uma bala de canhão tentando acertar pardais.

O caso da contusão de Neymar é emblemático, assustador e triste. Em pouco mais de 24 horas ouvi coisas como: “covarde”, “ele deveria sair algemado” e “lance brutal” sendo atribuídas à fatídica falta cometida por Zúñiga, que acabou tirando o brasileiro do restante do torneio.

No ápice do circo montado em torno da lesão, Luciano Huck, em seu programa de entretenimento, resolveu tratar de futebol. Na verdade, mais especificamente lamentava a lesão de Neymar. Ao vivo, o comunicador, falando para todo o território nacional, abriu seu programa chamando Camilo Zúñiga, profissional do futebol, a quem provavelmente o apresentador sequer conhecia até horas antes, de: “colombiano imbecil”.

Mais tarde, no mesmo “show”, Lais Sousa, atleta brasileira, vitima de um brutal acidente no início do ano, foi entrevistada e perguntada sobre o acontecido no dia anterior. Assim como Neymar, ela teve uma lesão na coluna. Porém, com uma “”“pequena””” (com infinitas aspas) diferença: a jovem de 25 anos, como dito antes, vítima de um ACIDENTE, ficou tetraplégica e provavelmente nunca mais poderá praticar ginástica artística ou um esporte de inverno.

Como uma intervenção divina, vindo como um sopro de racionalidade em meio aquela loucura toda, José Luiz Runco, médico da Seleção Brasileira, entrou no ar e disse que a lesão de Neymar era leve, de recuperação fácil e que não traria qualquer sequela ao jogador e ao cidadão Neymar Júnior. Ele apenas não jogaria mais o mundial por não haver tempo hábil para uma recuperação. Um verdadeiro tapa em tudo que se vinha pregando desde então.

A histeria e balburdia criada por jornalistas, comunicadores e formadores de opinião causou uma reação em alguns cidadãos que não possuem a menor condição de viver em sociedade. Por todo o canto, adjetivos pejorativos, preconceituosos e criminosos à Zúñiga poderiam ser ouvidos ou lidos. Tudo, alimentados por quem tem o acesso à palavra.

No mais triste dos episódios, uma rede social do lateral foi invadida por “brasileiros”. Lá, escolheram uma foto onde a filha dele, de apenas quatro anos, mandava um recado ao pai. Ali, mensagens como “Ela eh outra bosta igual o pai" (sic) e “menina vai ser estuprada” podiam ser lidas a quem quisesse e tivesse estômago para tamanha nojeira.

Sempre fui - e sou- contra atribuir atitudes de terceiros à mídia. Não me parece normal que uma pessoa se permita ser manipulada e ainda assim não seja a única culpada por isso. Porém, neste caso, a imprensa causou a criminalização de um cidadão com cavalares doses de preconceito e exagero.

Se houve ou não a intenção de machucar Neymar (e eu, particularmente, vejo com bastante clareza de que não houve), apenas Zúñiga e sua consciência podem responder com certeza. Ninguém sabe o que se passou ali e muito menos o que pensava o colombiano naquele momento. No fim, a verdade é que o vilão criado para a história virou vítima. Neymar, a vítima – e que nada tem a ver com o que houve – uma testemunha de um show de horrores criado ao seu redor. E os “torcedores”, testemunhas de todo o fato, no fim das contas, são os bandidos de toda essa trama. E a coautoria de tudo é da imprensa.

Ao torcedor, claro que com todas as limitações do bom senso, é concedida a licença (nada) poética do exagero. Ao profissional da mídia, não. E não é por um simples motivo: a palavra pode ser a pior e mais cruel arma da humanidade. Ela mata aos poucos e sem deixar ferimentos aparentes. E nós, pagos para reportar, contar histórias, somos pessoas que temos acesso a tal armamento e por isso deveríamos ser capacitados para manuseá-la.

Daqui pra frente, fica apenas a esperança de que sejamos mais responsáveis e conscientes do poder de uma palavra.

* Vinicius Carrilho tem 23 anos, é jornalista, morador de Osasco e gostaria de ganhar a vida 
fazendo humor, mas escreve melhor do que conta piadas.

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