sexta-feira, 27 de junho de 2014

A Copa de Cristiano Ronaldo

Por Humberto Pereira da Silva*
O melhor do mundo ferido: longe das suas condições ideais, Cristiano 
Ronaldo não pode fazer a Copa que dele se esperava. (Ivan Pacheco/Veja.com)

Cristiano Ronaldo veio para essa Copa sob grande expectativa. Não sem razão, pois suas últimas temporadas pelo Real Madrid e o modo como carregou Portugal na classificação épica contra a Suécia fazem dele um dos jogadores mais letais e completos do futebol atual. Sua eleição como melhor do mundo pela FIFA no ano passado apenas reverbera o que o craque português fez em campo.

Mas entre as bizarrices a que muitos se prestam numa competição como a Copa do Mundo, sob domínio da mídia em níveis que cada vez mais escapam ao bom senso, está o clichê de que jogadores eleitos pela FIFA no ano anterior à Copa fracassam na competição. Assim, antes do início do torneio, essa cantilena já era cantada.

O prêmio FIFA de melhor do mundo foi criado em 1991. Roberto Baggio, eleito em 1993, fracassou em 1994; o mesmo ocorreu com Ronaldo em 1998; e assim, na sequência, fracassaram Figo em 2002, Ronaldinho Gaúcho em 2006 e Messi em 2010. Nessa Copa de 2014, Portugal não passou da primeira fase. Cristiano Ronaldo, então, manteve a “maldição” de que o melhor do mundo pela FIFA fracassa.

Isso funciona apenas como bizarrice, fanfarronice midiática. Para um jogador do nível de Cristiano Ronaldo, que além de fora-de-série é dono de temperamento que instiga sentimentos extremos de adoração e desprezo, a propalada “maldição” é combustível para a insensatez. Seu fracasso foi a senha de que muitos precisavam para destilar trôpegas pilhérias e gozos de patuleia.

Vejamos: o mantra da “maldição” do melhor do mundo pela FIFA antes de uma Copa é uma falácia. Se se aplica a Baggio em 1994, que perdeu o pênalti decisivo e assim acabou vice-campeão do mundo, não se aplica a Ronaldo em 1998. Se Ronaldo, como Baggio, também acabou como vice, ao contrário dele não perdeu pênalti e, ainda, mesmo que seja controverso, foi eleito melhor da Copa pela FIFA.

Soaria estranho falar em fracasso de Ronaldo em 1998, ou a glória individual diz respeito à conquista do título mundial? Ou seja, a tal “maldição” se refere ao jogador, tomado individualmente, ou ao título que sua seleção perdeu. Pelé era o melhor do mundo em 1962, no Chile, mas ficou de fora da Copa no segundo jogo, por contusão. Com o Brasil campeão mundial Pelé teria fracassado?

O mantra da “maldição”, sejamos sensatos, ganhou corpo após o desempenho de Ronaldinho Gaúcho em 2006 e Messi em 2010. Esperava-se muito deles nessas Copas. Brasil e Argentina tinham grandes seleções e em Ronaldinho e Messi a expectativa de que fossem protagonistas na conquista do título mundial.

Certo, mas agora se alguém esperava que Figo fosse campeão mundial em 2002 e Cristiano Ronaldo em 2014 isso só pode ser entendido como ignorância ou maledicência de quem, ainda que conheça futebol, fica com a voz da galera e abre mão do bom senso. Portugal jamais entrou numa Copa do Mundo com o peso de fazer valer favoritismo.

Assim, falar em “maldição” no caso dele, e também de Figo, só tem sentido para quem faz coro à imbecilização geral que grassa nos comentários mais estapafúrdios a que muitos se prestam, inclusive com pose soi-disant intelectual. Mas, de qualquer forma, alguém mais sereno perguntaria: do melhor do mundo não se esperava mais que ficar na primeira fase da Copa?

Melhor do mundo em 2001, Figo chegou à Copa com
problemas físicos (Clive Brinskill/Getty Images)

Consideremos os problemas da Seleção Portuguesa. Classificou-se para a Copa na repescagem, num jogo dramático em Estocolmo contra a Suécia, teve de conviver com a expulsão de Pepe no primeiro jogo contra a Alemanha e com uma incrível sucessão de contusões. Isso, é óbvio, desestabilizaria uma grande seleção, quanto mais Portugal, que não formou um time para disputar o título.

Mas Cristiano Ronaldo, individualmente, não poderia ter feito mais do que fez? Não, pois ele não veio para o mundial em suas melhores condições físicas, e isso é vastamente conhecido de quem acompanha o futebol europeu. Quem acompanha o futebol sabe o esforço que ele fez para jogar essa Copa.

Nos lances de sorte e azar, calhou de ele não reunir condições físicas para apresentar seu melhor futebol. Assim, numa equipe que não é exatamente uma potência, agregada a problemas surgidos na competição, não é possível imaginar que ele levaria Portugal além da primeira fase. Ou, se levasse, não iria longe.

Qualquer crítica, ou gozação no espírito voz da galera, que se faça à participação de Cristiano Ronaldo nessa Copa, tendo em vista as circunstâncias em que estava, para mim, é molecagem, calhordice de muitos que tomam o futebol para descarregar frustrações pessoais.

*Humberto Pereira da Silva, 50 anos, é professor 
universitário de Filosofia e Sociologia e crítico de
cultura de diversos órgãos de imprensa.

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