terça-feira, 17 de junho de 2014

Buffon, Casillas e Júlio Cesar

* por Humberto Pereira da Silva

Sobre a atuação de Casillas contra a Holanda, na derrota humilhante da Espanha, ficou fácil apontar o vilão: o próprio Iker Casillas. Mas José Mourinho, que o colou no banco quando foi técnico do Real Madrid e optou por Diego Lopes, saiu em sua defesa: a posição de goleiro é muito específica, aquela que efetivamente conta com a confiança do treinador.  

Em recente eleição da FIFA, como se sabe sempre muito questionada pelo vulgo, Buffon e Casillas, nessa ordem, são os melhores goleiros dos últimos 25 anos. Buffon participa de sua quinta Copa do Mundo, Casillas da quarta. Ambos, de fato, foram presenças de destaque incontestes nas conquistas da Itália, em 2006, e Espanha, em 2010. A presença deles nessa Copa, no entanto, faz que se pense na defesa feita por Mourinho.

Dizer que goleiro é posição específica é truísmo: ele pega bola com as mãos, Pedro Bó, os outros dez jogadores em campo não podem por a mão na bola...; mas Mourinho disse mais que isso, o que não é nada óbvio para o vulgo: joga quem tem a confiança do treinador.

Na Copa de 2010, para a ufanista mídia tupiniquim, Júlio César estaria entre os três. Para os maiores exagerados, seria inclusive melhor que Buffon e Casillas. Como eles, o goleiro brasileiro também está nessa Copa e, como titular, vai para seu terceiro mundial. Mas depois da derrota para a Holanda em 2010, para a mídia, Júlio Cesar perdeu o status de um dos melhores do mundo: chega a 2014 sob a desconfiança de muitos.

Certo, mas não de Felipão, que o garantiu como titular antes de qualquer outro jogador de linha. Grande parte da mídia e torcida não entendem que goleiro é uma posição específica porque é aquele que joga com a confiança do treinador. Acredita que específica é a condição exclusiva de pegar a bola com as mãos...; fazer defesas circenses...

Daí não entenderem por que Júlio Cesar é titular pela segunda Copa do Mundo consecutiva. Se for exagerado colocá-lo no mesmo nível de Buffon e Casillas quatro anos atrás, não é exagerado afirmar que, na Seleção, nenhum goleiro, com Mano Menezes ou Felipão, conseguiu impor-se e ter a confiança necessária para jogar uma Copa do Mundo como titular.

Buffon não jogou como titular na estreia da Itália contra a Inglaterra; foi substituído por Sirigu; não faltou quem visse em lances isolados insegurança nele. Casillas teve uma atuação desastrosa contra a Holanda, mas del Bosque correria o risco de trocá-lo por Pepe Reina, com a contusão de De Gea, seu primeiro reserva? Júlio Cesar, apesar da desconfiança da mídia e da torcida, não comprometeu na estreia contra a Croácia.

Mas vejamos, em termos práticos, o que significa isso que mídia e torcida não entendem como sendo confiança, mas que treinadores diferentes como Mourinho e Del Bosque entendem bem. Um atacante pode perder quantidade infinda de gols, mas será herói se marcar o gol decisivo. Um goleiro pode fazer defesas espetaculares, mas estas serão esquecidas se falhar num lance decisivo.

Simples, então; confiança depende da segurança demonstrada quando o goleiro não pode falhar. Júlio Cesar falhou em 2010, mas não surgiu nenhum goleiro que, na Seleção, e muitos foram testados, fizesse por merecer seu lugar; se fizesse, depois de 2010 ele jamais teria uma nova chance. Agora é contar com ele, que, para lembrar desmemoriados, chegou a ser visto como melhor que os melhores do último quarto de século.

Felipão tem essa percepção. A mesma de Cesare Prandelli e Vicente del Bosque; a mesma de José Mourinho no Real – aqui só para fustigar jornalistas imberbes que preferiam Casillas a Diego Lopes.


Trocar de goleiro é uma decisão difícil, os treinadores sabem bem, mas não o vulgo. Buffon, Casillas e Júlio César já viveram momentos melhores, mas o treinador que ousar substituí-los no clamor da ora, sob a pressão da mídia ou do vulgo, jogará roleta russa; implicitamente, estaria jogando a toalha.

*Humberto Pereira da Silva, 50 anos, é professor 
universítário de Filosofia e Sociologia e crítico de
cultura de diversos órgãos de imprensa.

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