A crônica de pós-jogo da surra que Portugal levou da Alemanha pela segunda jornada do Grupo F da Euro 2020 vem com um atraso parecido com o que Fernando Santos viu que um meio-de-campo pouco agressivo a lutar pela bola resultaria no jogo em que Portugal sofreu mais gols desde que assumiu o leme da nau lusitana. Mas nem seria preciso e, sem medo de parecer um engenheiro de obra pronta, digo ao "Engenheiro do Penta": a Alemanha não é a Hungria e, sabia-se que, desde que D. Sebastião sumiu em Marrocos, seriam eles a ter a bola e a buscar espaços. E olha que isto não faltou. Com Portugal completamente desmembrado e dando todo tempo do mundo para os pés pensantes de Kroos e Gündoğan organizarem o jogo, Joachim Löw meteu lá Gnabry e Havertz a transitar no espaço que havia entre os trincos (Danilo e William Carvalho) e os centrais (Rúben Dias e Pepe). Como desgraça pouca é bobagem, Nelson Semedo teve uma atuação para esquecer e, tendo os centrais que subirem para socorrer os (neste jogo) terríveis volantes, suas costas viraram o parque de diversões de Gosens e Müller e quantos mais comedores de chucrute aparecessem por ali. Era óbvio que não daria certo.
Nem depois que Portugal escapou do gol madrugador de Gosens por um fora-de-jogo de um intrometido Gnabry e abriu o placar pouco depois, em um contragolpe de proporções bíblicas, que começou no desvio à própria área de Ronaldo para terminar num sprint fantástico do talvez maior jogador europeu de todos os tempos, as coisas funcionaram. Afinal, os de Löw sabiam que o gol foi mais uma ação fortuita do que uma jogada que poderia ocorrer mais vezes.
Assim, trataram de aumentar a pressão e a agressividade no meio, puxaram para fora os centrais lusos e fizeram a festa nos espaços criados pelas tentativas de coberturas dos laterais, principalmente Nelson Semedo, que nunca foi capaz de confrontar, com seus 1,77m, os 1,85m - fora a impulsão em velocidade - do lateral do Atalanta, tanto que os quatro gols alemães foram marcados dentro da pequena área. E a primeira etapa terminou com a Alemanha já à frente, com dois autogolos dos azarados Rúben Dias e Raphaël Guerreiro, mas em lances em que a bola cruzou a cara do gol e terminou por desarrumar a defesa portuguesa, que dificilmente poderia fazer algo melhor.
Mal começou a segunda parte, já com Renato Sanches do lugar de Bernardo Silva, e o filme se repetiu, desta feita com a bola finalmente desviada por um pé alemão, o de Havertz. Nem houve tempo para ver o efeito prático desta alteração, tampouco da entrada de Rafa, que rendeu William, e a Mannschaft já havia chegado ao quarto gol, agora válido, de Gosens, que parecia um Porsche em cima de um AGB IPA com o motor fundido, que atende pelo nome de Nelson Semedo.
Quando parecia que o 7 a 1 sobre a Metrópole seria uma questão de tempo, Löw resolveu fazer a gestão de minutos no Nationalef. Assim, Gosens e Hummels deixaram o campo, entrando Halstenberg e Can. Do perdido lado português, João Moutinho ocupou a vaga do inoperante Bruno Fernandes - André Silva também foi a campo, repetindo as entradas contra os húngaros -, numa altura em que a Alemanha já dava campo a Portugal, que era outro time sem a dupla de volantes e com a disposição sobretudo de Renato para brigar pela bola, dando aos campeões europeus um poucochinho da agressividade que só se via nos que usavam camisolas brancas e calções pretos.
Dos pés do jogador do Lille, inclusive, saiu a paulada de longe que acertou o poste e que poderia dar um pouquinho de emoção aos dez minutos que restavam até o fim de um jogo no qual um time que se assumiu como grande que é, venceu como quis.
Pouca coisa antes, Diogo Jota diminuiu a diferença, marcando um gol muito parecido com os quatro que Portugal sofreu e devolvendo um pouco da dignidade aos campeões, que só não estão completamente enrolados por causa do bom saldo que amealharam na estreia e este é o primeiro critério de desempate. Pelo que apresentaram, porém, o prejuízo português poderia ser maior.
Na quarta-feira, quando voltar à Puskás Arena para enfrentar a França, Fernando Santos saberá exatamente o resultado que precisará para avançar, mas será preciso entender também que tem à disposição um time que pode muito mais do que apenas se defender quando enfrenta um adversário forte.
Rui Patrício: a última vez que havia levado quatro gols pela seleção foi na Copa de 2014, contra a Alemanha. Terá medo até de comer um eisbein;
Nelson Semedo: tive saudade do Cédric. Sabe lá o que é isso, Nelson Cabral?;
Rúben Dias: minha esperança é que raramente o Gato joga duas partidas seguidas tão ruins;
Pepe: no último jogo a doer com a Alemanha, foi expulso logo no início. Agora, não faria mal a uma mosca se ela zunisse em Alemão. Precisamos de um meio termo, pá;
Raphaël Guerreiro: "Podia ser pior. Eu poderia ser o Nelson Semedo", pode ter pensado o gajo para não achar que o jogo foi uma merda completa, mesmo fazendo um autogolo;
Danilo: dizem que viu um Porsche no estacionamento e quase entrou debaixo do autocarro da Seleção;
William Carvalho: dizem que o Danilo só não entrou sob o autocarro porque o William já estava lá (Rafa: ó, Rafael Alexandre, podias ter perguntado ao mister se era isso mesmo quando ele mandou-lhe entrar);
Bruno Fernandes: um ilusionista, pois saiu sem ter entrado (João Moutinho: não fosse pelo passe que pariu o segundo golo português, a malta teria achado que era o Bruno Fernandes. Não, João Filipe, não é um elogio. Longe disso);
Bernardo Silva: como prêmio pelo passe teleguiado no primeiro gol, saiu ao intervalo para passar só metade da vergonha (Renato Sanches: já vista o colete dos titulares no próximo treino. Nem espera pela ordem do mister. Se ele reclamar, arme um motim, mas é mais fácil, pelo sentido que tomou do jogo de Munique, que ele fale, já ao fim do treino, “escuta, aquele gajo ali na equipa titular não é o Renato?”);
Diogo J: de certa forma, foi eficaz nos oito ou nove segundos em que participou ativamente do jogo, com o golo e o passe para o golo de Cristiano Ronaldo (André Silva: praticamente a mesma coisa que o Diogo J, exceto pelo golo e pelo passe para o golo de Cristiano Ronaldo);
Cristiano Ronaldo: igualou a marca de gols de Klose, o maior marcador somando as fases finais de Eurocopas e Copas do Mundo. Também igualou sua melhor marca de golos em Euros, já que chegou a três, o mesmo número de 2012. Não adiantou coisa alguma, mas foi histórico - ou "foi histórico, mas não adiantou coisa alguma". Vai do gosto do freguês. Ou do desgosto;
Fernando Santos: se é pra perder, que seja com o mínimo de dignidade. Portanto, mister, deixe os gajos jogarem à bola, ó, caraças!
Foto: UEFA/Divulgação