quinta-feira, 25 de agosto de 2016

O fim do mundo e o ufanismo barato

O Rio de Janeiro fez uma Olimpíada linda. Virou motivo de orgulho. Ora, o brasileiro é cordial e hospitaleiro por natureza. E gosta de festa, como foi durante a Copa de 2014. Seria notícia o contrário.

Achar que o brasileiro seria incapaz de fazer só pelo fato de ser brasileiro é mais que pobreza de espírito, é burrice mesmo. No entanto, achar que os jogos foram espetaculares só porque foram feitos por brasileiros também não passa de ufanismo barato.

Isto posto, não há lá muito mérito no que foi feito. Bastava ter dinheiro. E teve. E muito. O problema é que, muito dessa festa foi feito com dinheiro público, diferentemente da promessa inicial. O mesmo que falta para assentar famílias há décadas; para equipar hospitais públicos; para investir em programas de saúde preventiva, o que desafogaria o SUS; para garantir um ensino público minimamente decente.

O problema, como o que pode ser visto no relato do enorme jornalista Jamil Chade, correspondente internacional do Estadão e autor de livros sobre os bastidores das escolhas das cidades-sede para as maiores competições, é a farra, é o desrespeito pela legislação daqui.

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O prefeito do Rio, Eduardo Paes, bate no peito para falar que entregou todas as obras (nos complexos esportivos) a tempo e nenhum evento foi comprometido, além dos que seriam testes para os jogos, mas se esquiva para falar do estouro do orçamento inicial, que foi socorrido com isso mesmo que você está pensando: dinheiro público.

Podem acreditar, o Rio de Janeiro continua lindo, como seria sem a realização dos jogos. E com os mesmos problemas que foram praticamente escanteados pela imprensa que cobriu o evento: os Correios atrasaram a entrega de material de treino de alguns atletas; a Vila Olímpica era um desastre, com inúmeros apartamentos apresentando toda sorte de problemas; motoristas não sabiam o caminho para as arenas, estádios e/ou CTs; uma das seleções passou a noite da véspera da disputa da semifinal da sua modalidade lavrando um B.O. porque teve seus equipamentos furtados e a concentração foi para o beleléu. 

O próprio treino antes disso foi para o espaço porque a equipe só pode chegar ao local de treino às 18h30 (por culpa do Rio 2016), quando este estava marcado para as 16 horas, e não havia luz natural no local. Enfim, nada de surpreendente.

O que espantou mesmo foi a cegueira de quem estava lá do lado e não viu.

Da mesma forma que não é surpresa que não aconteceu o armagedom que alguns estrangeiros – e brasileiros mais céticos – previram: ninguém morreu em decorrência do zika vírus, nenhum aparelho de som apareceu boiando nas provas aquáticas, o ISIS não cometeu nenhum atentado, não passamos vergonha, mesmo com a Anitta cantando com Gil e Caetano na abertura, que foi lindíssima. 

Não foi o inferno que temiam, mas também não foi o paraíso que querem vender. 

segunda-feira, 22 de agosto de 2016

O ídolo de papel

Minha boa vontade com o Neymar durou dois dias, se muito. 

O verdadeiro Neymar não é o que jogou para o time, o que chorou após o pênalti convertido. É o que vomitou um monte de bobagens ainda no gramado, o que não admite ser cobrado, ser contrariado. É o que abriu mão da tarja de capitão no time principal, como se ela fosse sua propriedade e ele tivesse tal poder.

Não era pressão. Era raiva.

Neymar não dá um passo sequer sem que seja meticulosamente planejado. É um craque? Sim, mas não está nem entre os 100 maiores jogadores da história do futebol brasileiro, para não dizer do mundial. Suas conquistas são suas, individuais. Para o Brasil não dizem nada.


No contexto de um futebol que já havia ganho quase tudo antes mesmo de ele nascer, Neymar é um nada. Um nada milionário e cheio de fama, é verdade, mas é um traço. É um cara que não tem a dimensão da idolatria que infelizmente provoca, pois é um espelho para muitos jovens. É um ídolo de papel.

Vamos ter que engolir o quê? Por quê? Só porque ganhou um campeonato sub-23 jogando contra ninguém?



sábado, 20 de agosto de 2016

O ouro e a humanização de Neymar

O MUNDO NAS COSTAS DE NEYMAR Neymar se reinventou
durante a competição e foi o grande nome do Brasil na
conquista do inédito ouro olímpico (Reuters)
 
Finalmente o Brasil fechou a coleção de títulos possíveis do futebol mundial. Sob o comando de Neymar, sim senhor, o time amarelo não amarelou e colocou a medalha dourada no peito pela primeira vez.

Como toda a Seleção, o camisa 10 começou o certame apagado, quando mais apareceu ao se negar a dar o entrevista para a qual estava escalado após o pífio empate sem gols contra o Iraque, na segunda rodada. Mesmo sem falar, falou mais do que se tivesse falado.

No entanto, o que parecia caminhar para mais uma campanha fracassada pós 7 a 1 entrou nos eixos a partir do momento em que o craque barcelonista também o fez. Grande destaque do time da terceira rodada em diante, quando passou a jogar para os companheiros e, ao descer do pedestal de craque inquestionável que julgava ser, cresceu como nunca. 

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Coube a ele o pênalti decisivo, depois do chute defendido pelo goleiro Wéverton, que chegou em cima da hora com o corte do titular Fernando Prass e foi o herói do imponderável. Com frieza, seriedade e calma, Neymar mandou no ângulo esquerdo do gol e, humano, caiu no choro. Caiu também a ficha da sua importância na retomada do futebol brasileiro, que certamente não acontecerá a partir dos cartolas.

Então que comece de dentro pra fora, como foi quando Dunga caiu. Ele dirigiria um time que foi preparado por Rogério Micale, em mais um erro clamoroso que seria cometido pela CBF, e só caiu pela falta de resultados, não pela pobreza assustadora do futebol que não apresentava em campo. Tite chegou e abriu mão do time olímpico. Neste momento o sonho da medalha de ouro passou a ser tangível.

Que o título, e aqui não faço juízo de valor sobre sua importância, não seja uma camada de maquiagem sobre o verdadeiro rosto do futebol brasileiro, que carrega uma expressão feia, cansada, ultrapassada. Que seja entendida a dificuldade para bater uma Alemanha muito organizada, no primeiro jogo em que teve ante de si um adversário realmente decente que o Brasil enfrentou. Uma Alemanha que veio apenas com um jogador da equipe principal, que desde o começo sabia o que queria e como queria.

E que Neymar tenha entendido que, sendo apenas mais um, pode ser o principal.