quinta-feira, 16 de julho de 2020

Porto, um campeão com méritos



Deixou de ser uma questão meramente matemática: o Porto é o campeão português 2019-20, recuperando a taça perdida para o Benfica na temporada passada.  "Perdida" é o termo correto, pois os Dragões perderam uma vantagem que chegou a sete pontos a uma rodada do fim do turno, que começou a esvair-se quando o FC Porto empatou com o Sporting e deixou de ter a maior sequência de vitórias da história do futebol de Portugal. 

É um filme parecido, pois, mas que mudou os protagonistas, numa espécie de plot twist que inverteu mocinhos e bandidos, o qual prefiro chamar de reviravolta. O carrancudo Sérgio Conceição termina a época com o sorriso angelical que era de Bruno Lage, posto a pontapés e traições para fora da Luz após uma série de escolhas infelizes, dele ou não, mas isso não cabe aqui. Ao menos agora.

O fato é que, mesmo tendo sido um campeonato dos mais fracos, talvez o de pior nível no últimos anos (é preciso somar quatro dos seis pontos ainda em jogo para não ser o campeão com menor pontuação desde que a Primeira Liga passou a ter 18 equipes), o Porto conquistou sua 29ª taça do nacional com duas rodadas de antecedência, vencendo um clássico contra o time de Ruben Amorim, um técnico que não havia perdido ainda na temporada por nenhuma das duas equipes que dirigiu (Braga e Sporting) e que havia vencido todos os jogos que havia feito contra os grandes.

E vencer os grandes foi algo que o Porto de Sérgio Conceição fez, com quatro vitórias contra Sporting e Benfica, coisa que só José Mourinho em 2002/03 e Jimmy Hagan, em 1971/72, haviam feito. Contra os encarnados, então, as vitórias foram ainda mais fundamentais, pois o time então de Bruno Lage havia vencido todos os jogos pela Liga, exceto os dois que fez contra o Porto, que desnudou todas as fragilidades do então campeão nacional, que estava com o bicampeonato encaminhado, incluindo aí a melhor primeira volta desde que o Campeonato Português passou a ter 18 equipes, além do recorde de vitórias seguidas fora de casa.

A duas rodadas do fim, o já campeão Porto tem o maior número de vitórias, o melhor ataque e a melhor defesa. É errado não atribuir a conquista portista também à calamidade benfiquista, sobretudo em 2020, mas é desonesto, portanto, não apontar todos os méritos de um time que soube reconhecer suas limitações, fortalecer suas qualidades e usar a favor também seus próprios problemas e, ao passo que o rival estava em queda livre, com problemas nas cordas do paraquedas, os azuis tiveram seu melhor momento, somando 19 dos 24 pontos em jogo pós-pandemia. O Benfica, por exemplo, fez só 12.

Como num filme clichê, o jogo do título, contra o técnico de carreira imaculada, para quem havia perdido a Taça da Liga, teve golos do jogador experiente (Danilo Pereira) que perdeu a posição e que só jogou porque o titular (Sérgio Oliveira) se machucou e de Marega, o atacante de trejeitos toscos, de quase nenhuma intimidade com a bola, mas que foi o símbolo maior da superação portista, superando um caso de racismo no lugar que foi sua casa, e marcando golos em quase todos os últimos jogos da Liga.

Como num filme clichê, a temporada, que começou com a perda de meio time titular entre vendas e saídas ao fim do contrato; que viu o fim da carreira do mítico Casillas graças a um enfarte; que presenciou a briga estúpida entre o treinador e seu capitão, expulso do estágio de preparação; que arrancou com  a vexatória eliminação na terceira eliminatória da Liga dos Campeões para o Krasnodar e uma derrota inesperada para o Gil Vicente, logo na primeira jornada para a Liga NOS; e que assistiu ao maior concorrente gastando dinheiro sem critério algum, como um novo rico que acabara de ganhar 120 milhões na loteria de Madrid, termina com a festa de quem fez questão de acreditar que poderia ganhar. E ganhou.  

Afinal, filmes clichês têm final feliz.



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