segunda-feira, 9 de junho de 2025

PORTUGAL - sobre crer e a padeira de Aljubarrota


Conta a história que Brites de Almeida, uma padeira de Aljubarrota, deu cabo a golpes com a sua pá de meia dúzia que castelhanos que buscavam refúgio depois que as tropas de Nuno Alvares Pereira colocaram para correr o exército de Castela e Aragão, muito - mas muito mesmo - mais numeroso, no episódio que consolidou Portugal como uma nação livre.

Conta a história que, sempre que Portugal e Espanha jogam, a parte que não chora ao ouvir um fado ou não anda a enrolar os bigodes ao som de Quim Barreiros normalmente é quem perde. A primeira partida da Seleção Portuguesa, já contada aqui, foi perdida para os espanhóis. Antes do Estado Novo, Portugal, que fez boa figura nos Jogos Olímpicos de 1928, levou um sacode de 9 a 0 do vizinho ibérico, o que suscitou as mudanças que culminaram na criação da Liga Portuguesa.

A história para ser contada, é mister que seja escrita. Há 13 anos, João Moutinho falhou o pênalti que meteu travão na caminhada das quinas à final da Eurocopa de 2012. Quatro anos se passaram e, pelas mãos de Cristiano Ronaldo, Moutinho voltou à marca da cal para ajudar Portugal a chegar às meias finais, no conhecido "andar a bater, tu bates bem. Se perdermos, que se f***". 

Nove anos depois, Portugal voltou a encontrar a Espanha, desta vez em uma decisão. Fazia 25 anos que não ganhava aos alemães; no duelo ibérico, a última vitória a doer havia sido em casa, no malogrado Euro 2004. E os espanhóis chegaram a Munique com a panca de melhor seleção do mundo e atual campeã continental, com o futuro craque geracional fazendo diabo já aos 17 anos.

Para aplacar La Roja, seria preciso que os Tugas contrariassem todas as expectativas (as minhas, inclusas). A surpresa João Neves na lateral não surtiu o mesmo efeito do jogo anterior e Nico Williams fez o que quis com o pequeno e destemido jogador do PSG, que saiu ao intervalo, como no jogo anterior, para dar lugar a Nelson Semedo, lateral de origem e em fase exuberante.

O placar, à altura, apontava um seguro 2 a 1 para a Espanha, que atacava quando queria - querendo cada vez menos - contra uma turma que atacava quando podia - podendo cada vez mais. O sinal havia sido dado no golo de Bruno Fernandes, anulado por fora de jogo de Pedro Neto. Logo em seguida, o monstruoso Nuno Mendes, que já havia apontado o golo de empate, fez de conta que Yamal não era nada e, espalhando perfume e classe, contou com um desvio na rota antes de ver Cristiano Ronaldo empatar novamente o jogo.

Esta, se calhar, foi a novidade: mais do que querer, crer, como cantam os benfiquistas quando querem "raça, crer e ambição". E isto vale tanto ou mais que sistemas. "Tens sol se há sol e ramos se ramos busca", já ensinou Fernando Pessoa sob Ricardo Reis. Com a qualidade que tem em mãos, acreditar é meio caminho andado. E este caminho, que passamos a conhecer em Paris, parecia-nos estranho sempre que topávamos com alguém maior que nós.

Não precisa ser assim. Não deve ser assim. O sonho de ganhar o mundo é possível, embora o normal seja ficar pelo caminho. Mas que não seja por medo de no fim do mar haver um abismo. Quem, pela água, deu mundos ao mundo não pode temer aquilo que conhece.

Pois não é sempre que a Padeira de Aljubarrota perceberá que há alguém escondido no forno.    

 

  





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