Sugiro que tentemos aprofundar o debate e fugir de respostas fáceis: por que a seleção não desperta o mesmo interesse de há 20 e poucos anos? Por que muita gente prefere um rival, como a Argentina? Por que reclamam quando jogadores de seus clubes são convocados?
Eu, que tenho ascendência portuguesa e me identifico como torcedor da seleção de Portugal, não sou exemplo de nada, tampouco sirvo para explicar qualquer tendência neste sentido. Além da minha origem, existe o aspecto cultural, e pesa a safadeza feita em 2013 com a Portuguesa, clube do qual sou torcedor e era assessor de imprensa à ocasião. Isso fez com que eu enterrasse de vez qualquer simpatia por qualquer coisa que tenha a chancela da CBF (exceto o futebol feminino, que não tem a devida atenção de todos os setores que atuam no futebol).
A mesma CBF, desde que repassou o direito de negociar os jogos da seleção para empresas de marketing esportivo, que passaram a levar a maioria dos amistosos para o exterior, afastou o torcedor (entre 2000 e 2019, foram disputados 135 amistosos, dos quais, 112 no exterior). Ainda assim, quando joga em território nacional, o preço é proibitivo. Para se ter uma ideia, em outubro do ano passado, quem gastou menos para ver o Brasil levar um gol de bicicleta da Venezuela na Arena Pantanal pelas Eliminatórias da Copa do Mundo de 2022 terá desembolsado R$200,00 caso tenha tido direito à meia-entrada. O preço cheio variou entre R$400,00 e R$600,00 – pouco menos da metade do salário-mínimo vigente em 2023 (R$1.320,00). Aqui mesmo, publiquei uma comparação dos custos para um torcedor ver o jogo de sua seleção no Brasil e em Portugal.
O recente incremento financeiro no futebol brasileiro fez com que alguns atletas selecionáveis possam permanecer no Brasil, mas isso não significa que os clubes tenham fôlego para segurar seus principais talentos. Por outro lado, trouxe o inchaço do calendário, que recebe cada vez mais jogos e impede que haja, por exemplo, uma pré-temporada minimamente decente. Diferentemente do que acontece na Europa, o futebol daqui não vai parar durante a competição de seleções. "Ah, quando há jogo da Seleção, os clubes não jogam”. Sim, jogam, mas no dia seguinte. Então, desfalques irão ocorrer do mesmo jeito. E a culpa de uma eventual derrota será da seleção, já que ninguém tem a dignidade de assumir os próprios erros. Convenhamos: é fácil tacar pedra na Geni.
Outro ponto que traz chateação é o chamado "vírus-FIFA" (lesões ocorridas em jogos das seleções), essa ideia rasa que tenta convencer que os jogos entre selecionados, e não esse monte de competições de clubes, são os excedentes. Reitero: é confortável para dirigentes e treinadores transferirem a responsabilidade. Além do mais, está assim, ó, de torcedores que adoram achar que seu time está sempre contra-tudo-e-contra-todos, numa cruzada antissistema que só existe na cabeça vazia dessa malta.
Repito, não tenho a intenção de responder todas as questões ou passar o que penso como verdade inquestionável. Outros pontos que me escapam podem e devem ser considerados para ajudar a explicar esse afastamento.
A obrigação doentia de vencer a qualquer custo e que se lasquem os métodos que podem aproximar projetos de conquistas também não ajuda. Assim, muitos treinadores daqui adotam posturas defensivas porque precisam satisfazer a sanha do torcedor barulhento, alimentada por um sem-número de debates mais barulhentos ainda, para manter seus empregos. Boa parte da mídia também tem culpa no nível do futebol praticado e dos programas apresentados, que às vezes resvalam na indigência. Sequer temos uma escola tática, um estilo próprio, e isso tem influência direta do que é praticado lá fora.
Neste sentido, o período sem títulos nas Copas do Mundo diminui o interesse do torcedor que aprendeu que só quem vence é digno de respeito e os outros são um bando de fracassados. Não basta ganhar outras competições, como as continentais ou a Olimpíada, tem que ser o dono do mundo. Desde a primeira conquista brasileira, em 1958, o maior jejum de títulos correspondia a cinco edições, entre 1974 e 1990, igualado em 2022.
A popularização das ligas estrangeiras também causa consequências no nível do nosso jogo, como se fosse simples emular o que é feito na Europa. Para isso, precisaríamos entender os conceitos, assimilar e dar tempo para que os trabalhos possam amadurecer. É como querer construir uma casa a partir do teto. Em vez disso, meia-dúzia de jogos bastam para definir se fulano ou cicrano servem – normalmente não servem. E essa histeria é alimentada pelos repetitivos programas de debates e suas "sensacionais e originais" enquetes para ouvir a "voz do torcedor". Como só vencer serve, criamos uma geração de consumidores, não de torcedores, que gritam "não pago meu sócio-torcedor pra isso!”
A facilidade para acompanhar campeonatos muito melhores também não ajuda, quando comparados com o que é praticado aqui. Então, a molecada que cresceu ouvindo que só a vitória interessa, vai gritar "meu City, meu PSG, halla Madrid!" Ou outro fortão da vez, pois isso também muda. Ou alguém vê mais camisas do Milan, febre da primeira década desse século, quando tinha brasileiros inquestionáveis na seleção, como Kaká, Cafu e Dida, do que de um desses endinheirados da vez?
Aí, criamos outro tipo de torcedor: o que torce pelo seu jogador preferido e leva uma leva de gente para onde for. Messi e Cristiano Ronaldo – e Neymar também bateu aí – são os expoentes dessa modalidade. Notem quantas camisas do Inter de Miami e do Al Nassr estão sendo expostas por aí, sobretudo nas crianças. E isso acaba refletindo também no futebol de seleções. Ao cabo, os candidatos a ídolos brasileiros não esquentam lugar, nem criam laços com clubes daqui, e muita gente não se sente representada, nem é brasileira-com-muito-orgulho-com-muito-amor.
Há outro ponto importante na comparação entre Copa América e Eurocopa: como o produto é trabalhado - e não adianta encampar o ódio-eterno-ao-futebol-moderno. É lidar, como diz-se em Portugal. A partir daí, entender como valorizar a competição como produto. Na sua coluna no Guia da Copa América e da Eurocopa da Placar - mesmo tratamento para ambas, mesmo espaço, bola dentro! -, o jornalista Vitor Sérgio Rodrigues fala, e bem, do desgaste causado pela exposição exagerada da Copa América, a ponto de ser banalizada. A Euro, uma mini-Copa do Mundo, é feita para ser exatamente isso. A competição da lamentável Conmebol - não que a UEFA seja muito melhor, mas sabe trabalhar - caminha para ser mais respeitada. Estabilizar o intervalo entre as edições é um dos passos pais importantes.
Portanto, cada um que acompanhe o que quiser, sem essa de rotular sem contextualizar porque é mais fácil. Esta Copa América, que a Conmebol entregou para os Estados Unidos colocarem em gramados cujas dimensões são diferentes do que veremos na próxima Copa do Mundo (enquanto a Eurocopa é organizada como a própria Copa do Mundo), tem como maior atrativo ser provavelmente a última competição de Messi pela Argentina.
E todos somos responsáveis por isso.
Sem comentários:
Enviar um comentário