sábado, 5 de setembro de 2020

Portugal 4 x 1 Croácia - os campeões voltaram (com um uniforme feio, mas com um futebol bonito)

DE ENCHER OS OLHOS - se há dúvida quanto à beleza do equipamento, ela não existe quando a bola rola para os campeões de tudo o que é futebol na Europa (Foto: Fernando Veludo/Lusa)


A casa onde Portugal levantou seu último troféu, em meados do ano passado, recebeu os donos da Europa para dar início à defesa do título da Liga das Nações. Num 2020 atípico, o Estádio do Dragão parecia uma máquina do tempo, na qual estava a equipa que dominou completamente os holandeses em 2019 na final da primeira edição da prova. 


Até o equipamento de gosto extremamente duvidoso apeteceu-me. Tudo bem que os croatas não tinham Rakitić e Modrić, mas Portugal não tinha Cristiano, com uma infecção no pé. Só que, tal e qual fizera no histórico 9 de junho do ano transato, Fernando Santos deu liberdade para seus homens de frente e contou com a inspiração e a transpiração da dupla Danilo Pereira/João Moutinho, máquinas multifuncionais que prepararam o terreno para o brilho de Bruno Fernandes, João Félix, Bernardo Silva e Diogo Jota. E os laterais João Cancelo e Raphaël Guerreiro. 


Com Bernardo Silva a pisar pelo campo de ataque todo e Bruno Fernandes a ocupar os espaços que surgiam aos pés dos desesperados centrais Vida e Lovren quando João Félix, o falso 9 luso, deixava a área para dar apoio no setor menos numeroso de Portugal perante os cinco croatas que colocavam-se à frente do eixo central da defesa, além da potência física de um Diogo Jota endiabrado, que ajudava a empurrar ainda mais para trás os de Zlatko Dalić, estava criado o cenário perfeito para uma jornada das mais felizes.  


O jogo tornou-se fácil mesmo tendo todos os pormenores para o contrário: a bola que teima em não entrar, a baliza a diminuir, o guardarredes a agigantar-se, mesmo protegido pela sorte que protege a cidadela. Só na primeira parte foram três as vezes em que Livaković não bastou e, mesmo assim, o escore manteve o nulo. Até que Cancelo, um verdadeiro tormento para a vida de Barišić, resolveu tentar à força e já perto do intervalo marcou um golaço. Eram oito os oponentes entre o lateral e a baliza. Sem ter elementos de azul turquesa (!) desmarcados, resolveu levar para o meio e – catapimba! – soltou o sapato de onde deu, inapelável para o até então milagreiro goleiro croata.  


A lição de bola da primeira parte não foi aprendida pelo treinador croata, que manteve os 11 em campo e, pior, o sistema falho, debilitado pela estupefaciente movimentação dos homens de frente de Fernando Santos. Uma dúzia de minutos bastou para que Diogo Jota tabelasse na intermediária com Guerreiro, que aproveitou o recuo de Félix para encontrar o espaço que Lovren deixou ao perseguir o 23, e que foi aproveitado da melhor maneira pelo ponteiro do Wolverhampton para aumentar para 2 a 0 o placar e estrar-se a marcar pela equipa nacional. 


Tardiamente, Brozović e Perišić foram a campo para dar fôlego e clareza para um time completamente apagado, mas sem resolver a falta de proteção à frente da área defensiva. Mais uma dúzia de minutos e João Félix, finalmente, anotou seu primeiro golo a serviço das Quinas num chute violento da entrada da área, no mesmo espaço sempre aproveitado pelos lusos. Desta vez, com a colaboração de Livaković, que poderia ter feito coisa melhor do que deixar a bola passar sob seu corpo. 


Os minutos finais serviram para a estreia AA de Francisco Trincão para descansar Bernardo Silva. Sérgio Oliveira e André Silva também entraram. Já na compensação, na única falha lusa, Cancelo não dominou uma bola longa e permitiu que Perišić lhe tomasse o esférico e o lance terminasse no gol de Petković. Ainda houve tempo para André Silva, cria do Olival, desviasse a última bola do jogo após cabeçada do portista Pepe, numa jogada à Porto, mas com a participação de Bruno Fernandes. 


É verdade que o adversário foi mais mansinho que o estatuto permitia imaginar, mas há ali uma forma de jogar que faz com que os inúmeros talentos da melhor geração portuguesa desde a Geração de Ouro possam brilhar. O time difícil de ser batido, afinal, também sabe fazer gosto ao pé. 


E aos olhos de quem vê, mesmo com um uniforme tão feio. 


Anthony Lopes: ele e Cristiano Ronaldo foram os únicos espectadores da partida;
João Cancelo: começa a ganhar a disputa a três na lateral direita. Um assombro tamanho que nem lhe ralharam quando ofereceu o golo aos croatas;
Pepe: nem precisou mostrar os dentes aos contrários. Um dia atípico;
Rúben Dias: o futuro melhor zagueiro do mundo nem precisou desmanchar o penteado impecável;
Raphaël Guerreiro: perdoe pelas vezes em que pedi a volta do Coentrão;
Danilo Pereira: jogando em casa, o Comendador parecia estar enfrentando equipas frágeis, como o Benfica do Bruno Lage;
João Moutinho: ó, João Filipe, bates bem e jogas melhor ainda com o Bruno Fernandes (deu lugar a Sérgio Oliveira, já que o 7 de Portugal não pode ficar no banco o jogo todo);
Bruno Fernandes: aos 26 anos, é muito clara a felicidade de quem não precisará se apresentar em Alcochete ao cabo dos jogos da Selecção;
Bernardo Silva: abre quando tem que abrir, afunila quando é para afunilar. Se a perfeição em campo tem nome, chama-se Bernardo Mota Veiga de Carvalho e Silva (
entrou o Trincão para cumprir uma internacionalização AA e evitar ideias ruins, como se naturalizar espanhol daqui a alguns anos);
João Félix: entrou ao relvado um miúdo e saiu um homem feito, feliz pelo fim da virgindade (André Silva: um remate, um golo. Que grande avançado!);
Diogo Jota: outro a meter o gosto ao pé pela primeira vez. Sem Ronaldo em campo, pode marcar sem maiores embaraços);
Fernando Santos: ó, mister, continues assim e dou teu nome ao meu próximo cachorro.



 

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