Em 1976, o grande Raul Seixas satirizou a onda de músicas de
protesto ao gravar “Eu Também Vou Reclamar”, faixa no histórico álbum Há Dez Mil Anos Atrás. Segundo ele mesmo, foi o primeiro a reclamar, já havia passado tanto janeiro e, se todos
gostavam, ele também iria voltar.
Mais janeiros ficaram pelo caminho – 39, para ser mais exato
– e o ato de ralhar voltou à baila no ano passado, na onda dos 20 centavos (que
acabou virando mero chororô da estudantada, para ficar no neologismo), no panelaço do
dia 08 de março, chamado de uma forma nada carinhosa de “varandas gourmets”, de
acordo com pessoas simpáticas ao governo, e o ato deste domingo, dia 15, que reuniu milhões de pessoas em diversas capitais e em algumas das cidades mais importantes do Brasil.
Como Raulzito, “já que todos gostam”, eu também vou reclamar:
Meu protesto é contra quem acha que a corrupção foi
inventada pelo PT. Não é uma questão de sigla, se é PT, PSDB ou a PQP. Está na
prática tupiniquim de se fazer política, o “toma-lá-dá-cá”.
Meu protesto é contra o inchaço da máquina administrativa para
acomodar os aliados, companheiros e novos amigos de infância, em nome da
governabilidade; é contra a sanha arrecadatória necessária para lubrificar a
máquina. É contra o empresário que reclama dos impostos cobrados, mas não quer
diminuir a margem de lucro.
Meu protesto é contra sistema que permite a um grande
partido que apoie o governo (qualquer um) para, dado a sua representatividade
nas casas legislativas (Câmara e Senado), abiscoitar os principais ministérios
e os cargos estratégicos nas estatais, que é onde o erário está mais à mão.
Meu protesto é contra o desesperador grau de desinformação
de quem defende uma intervenção militar. Quem conhece a história política
recente do Brasil sabe que a corrupção endêmica que hoje nos assola teve muito
de sua sedimentação nas décadas de 60 e 70, quando as empreiteiras nadavam de
braçada e não era possível noticiar, pois a imprensa era cerceada.
Meu protesto é contra quem, em nome de meros indícios, quer
desopilar o fígado e defenestrar a presidente. Querer a saída na marra de um
governo eleito democraticamente é fomentar a ideia de um golpe de Estado. Mesmo
que esteja previsto na Constituição, o impedimento só tem cabimento quando uma
série de passos é dado, entre os quais a prova do envolvimento direto ou
indireto do mandatário.
Meu protesto é contra
quem chama de golpista quem quer o impeachment,
mas não fez o mesmo juízo quando o presidente era Fernando Henrique Cardoso. Da
mesma forma, é contra quem, de saída, responsabiliza a mandatária maior da nação,
mas não cobra sequer uma investigação quando o acusado não é do Partido dos Trabalhadores.
Meu protesto é contra quem admite que uma arbitragem seja
favorável ao seu time, mas quer matar quando o árbitro marca, mesmo que
corretamente, contra o seu. Parece bobagem, mas quem defende valores tão
questionáveis leva isso para outros setores, pois o caráter, bom ou mau, é o
mesmo.
O
problema, pois, é cultural, é de berço, de (falta de) retidão de caráter. O
cidadão que aceita qualquer calhordice que o favoreça, despe-se da moral. É
vil, é desprezível. Um miserável que mendiga por favores, por benesses, mesmo
que seja à margem da lei e em todos os níveis, desde o cafezinho para o guarda
à propina do fiscal.
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