segunda-feira, 16 de março de 2015

Eu também vou reclamar


Em 1976, o grande Raul Seixas satirizou a onda de músicas de protesto ao gravar “Eu Também Vou Reclamar”, faixa no histórico álbum Há Dez Mil Anos Atrás. Segundo ele mesmo, foi o primeiro a reclamar, já havia passado tanto janeiro e, se todos gostavam, ele também iria voltar.

Mais janeiros ficaram pelo caminho – 39, para ser mais exato – e o ato de ralhar voltou à baila no ano passado, na onda dos 20 centavos (que acabou virando mero chororô da estudantada, para ficar no neologismo), no panelaço do dia 08 de março, chamado de uma forma nada carinhosa de “varandas gourmets”, de acordo com pessoas simpáticas ao governo, e o ato deste domingo, dia 15, que reuniu milhões de pessoas em diversas capitais e em algumas das cidades mais importantes do Brasil.

Como Raulzito, “já que todos gostam”, eu também vou reclamar:

Meu protesto é contra quem acha que a corrupção foi inventada pelo PT. Não é uma questão de sigla, se é PT, PSDB ou a PQP. Está na prática tupiniquim de se fazer política, o “toma-lá-dá-cá”.  

Meu protesto é contra o inchaço da máquina administrativa para acomodar os aliados, companheiros e novos amigos de infância, em nome da governabilidade; é contra a sanha arrecadatória necessária para lubrificar a máquina. É contra o empresário que reclama dos impostos cobrados, mas não quer diminuir a margem de lucro.

Meu protesto é contra sistema que permite a um grande partido que apoie o governo (qualquer um) para, dado a sua representatividade nas casas legislativas (Câmara e Senado), abiscoitar os principais ministérios e os cargos estratégicos nas estatais, que é onde o erário está mais à mão.
   
Meu protesto é contra o desesperador grau de desinformação de quem defende uma intervenção militar. Quem conhece a história política recente do Brasil sabe que a corrupção endêmica que hoje nos assola teve muito de sua sedimentação nas décadas de 60 e 70, quando as empreiteiras nadavam de braçada e não era possível noticiar, pois a imprensa era cerceada.

Meu protesto é contra quem, em nome de meros indícios, quer desopilar o fígado e defenestrar a presidente. Querer a saída na marra de um governo eleito democraticamente é fomentar a ideia de um golpe de Estado. Mesmo que esteja previsto na Constituição, o impedimento só tem cabimento quando uma série de passos é dado, entre os quais a prova do envolvimento direto ou indireto do mandatário.

Meu protesto é contra quem chama de golpista quem quer o impeachment, mas não fez o mesmo juízo quando o presidente era Fernando Henrique Cardoso. Da mesma forma, é contra quem, de saída, responsabiliza a mandatária maior da nação, mas não cobra sequer uma investigação quando o acusado não é do Partido dos Trabalhadores.

Meu protesto é contra quem admite que uma arbitragem seja favorável ao seu time, mas quer matar quando o árbitro marca, mesmo que corretamente, contra o seu. Parece bobagem, mas quem defende valores tão questionáveis leva isso para outros setores, pois o caráter, bom ou mau, é o mesmo.

O problema, pois, é cultural, é de berço, de (falta de) retidão de caráter. O cidadão que aceita qualquer calhordice que o favoreça, despe-se da moral. É vil, é desprezível. Um miserável que mendiga por favores, por benesses, mesmo que seja à margem da lei e em todos os níveis, desde o cafezinho para o guarda à propina do fiscal.

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