Torcedor do tricolor carioca comemora vitória no tapetão (Foto: Marcos de Paula/AE) |
-Filho da puta!
Foi esse o grito que mais se ouviu quando o sibilar do apito
combinou com a mão do árbitro apontando para a marca da cal. Pênalti claro,
indiscutível.
– Mas ele se jogou!
O desespero era total, quase como a indignação contra quem
teve a petulância de marcar a penalidade máxima contra os donos da casa no
clássico. Total porque a violência triunfara e apenas a torcida do mandante
pode entrar no estádio.
Seguiu-se um silêncio ensurdecedor, quebrado somente pelo
grito solitário de quem converteu a infração em gol.
– Goleiro de merda! Esse bosta nunca acerta o canto!
– É só esperar, pular na bola e defender, caceta!
– Vendido! Frangueiro safado!
Especialistas se espalham nas cadeiras numeradas. Detratores
também.
O ruído da intolerância ecoa nas mídias sociais, nas páginas
daquele que detesta porque o alvo da sua ira ou joga no rival ou não defende as
cores de sua equipe com o ânimo que deveria ter, segundo o tribunal das torcidas. E também no perfil de jornalistas-torcedores, representantes do próprio
time, essa praga contemporânea, na crônica especializada.
Mas uma das regras que não constam nas 17 que regem o
futebol é a da compensação, ainda mais se for a favor do mandante (alguns
chamam de bom senso) e outro pênalti, nem tão claro assim, não tardou.
– Aê, caralhoooooooo! Cadê o cartão, juiz? Pênalti é cartão,
tá na regra!
É óbvio que não está na regra, mas quem se importa?
É óbvio que não está na regra, mas quem se importa?
Desta vez, o estardalhaço é geral e o gol, registrado por
milhares de smartphones,que eternizam em bits o que antes era propriedade da
retina, antecede o grito da torcida que percorre o gigante de concreto,
vergalhão e tecnologia hightec.
A diferença entre o esfregar satisfeito das mãos e a ira
incontrolável está somente no lado para onde aponta a mão do árbitro.
Ao fim da partida, o torcedor, que pagou caro pelo ingresso
e foi achacado pelo flanelinha, vai embora feliz com o resultado, ávido por
ouvir ou ler os jornalistas que bradam defendendo seu clube, tendo razão ou
não. O que ele quer é um endosso, é um porta-voz do seu fanatismo, que tenta
justificar como amor. Quem não servir-lhe de caixa de ressonância é parcial,
jornalista-de-merda, torcedor do rival.
– Esse desgraçado é um vendido! Por isso que o jornalismo tá
esse lixo! Enrustido de merda!
As canchas também formam especialistas em comunicação
social.
Depois disso, estará pronto para encarar a semana, quando,
com alguma sorte, receberá um troco a mais. E vibrará com isso como num pênalti
inexistente a favor.
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