quarta-feira, 3 de julho de 2024

PORTUGAL - São Diogo

*Originalmente publicado no Netlusa

Na noite em que faltou treinador e os veteranos quase
ruíram, sobroua sobrenatural atuação para expiar
 os pecados portugueses (Heiko Becker/Reuters)

Portugal orgulha-se de ser o país mais católico do mundo. Ao menos quando miúdo ouvi muitas vezes esta ideia. Os tempos podem ser outros, mas não haverá um português, seja em Portugal, na Alemanha ou em algures no mundo que não tenha acendido uma vela para São Diogo.

Mas nem era preciso tanto sofrimento. Se existiu um acerto da parte de Roberto Martinez, este foi a escalação. Depois das mal sucedidas e mal explicadas experiências com a Geórgia, Portugal foi a Frankfurt com o sistema com dois zagueiros, tendo Nuno Mendes e João Cancelo nas laterais; os incansáveis João Palhinha e Vitinha como trincos, tendo este a missão de ser amálgama para toda a equipa. Bruno Fernandes mais próximo da área e Bernardo Silva dando largura à direita para Cristiano Ronaldo e Rafael Leão, este sempre aberto do outro lado, completarem o onze inicial. 

Sem surpresas, pois.

Surpreendente, de fato, foi o espaço que Portugal encontrou no início acutilante, na melhor entrada da turma de Martinez nesta Eurocopa. Há quem diga que Portugal andava pendido à esquerda, mas as principais jogadas sempre iam ter pelos lados de Rafael Leão, que deu as caras na competição, e Nuno Mendes, um verdadeiro tormento. E o placar só não foi movimentado porque sempre faltava algo, fossem pernas para Bernardo Silva alcançar o passe de Bruno Fernandes ou Cristiano fazer jus ao bom nome de goleador que tem. 

Os cinquenta e poucos jogos que suas pernas levam na temporada parecem pesar, a ponto de lhe tirar explosão e tempo de bola, justamente as suas principais armas. Não tem sido raras as vezes em que o camisa 7 quase chega à bola. Foi assim contra a Geórgia, foi assim no Qatar, há um ano e meio.

Ainda não ter levado o pão à sopa tem trazido à tona o pior de Cristiano Ronaldo: a ansiedade. Contra a Eslovênia, aquele atacante associativo deu lugar à versão atabalhoada e mesquinha, que invariavelmente tomará a pior decisão, como na cobrança de falta praticamente sem ângulo nem cabimento, em que tentou mandar direto para o gol, como se lá estivesse um qualquer.

Como Portugal não marcou, a intensidade caiu e a Eslovênia conseguiu respirar um bocado e vez ou outra até criou problemas, ora com Sesko - perigoso avançado de 21 anos, que venceu alguns duelos com Pepe, o monumental defensor com quase o dobro da sua idade -, ora com Sporar, de quem a bola foi tirada uma par de vezes por um Nuno Mendes insinuante a apoiar e diligente a defender. 

A segunda metade da primeira etapa teve alguma calmaria, quebrada somente quando João Palhinha, novamente soberbo, acertou o poste de Oblak pouco antes do final da primeira parte. Não faltava muito para acertar para poder encaminhar uma classificação relativamente tranquila.

Mas o segundo tempo teve duas partes distintas: uma em que Portugal teve inventividade e a que não teve nada a partir dos 20 minutos, quando da inexplicável dupla mudança promovida por Roberto Martinez, que tirou seus dois melhores homens, Vitinha e Rafael Leão, e colocou Diogo Jota e Francisco Conceição. Bruno Fernandes foi recuado para terrenos mais baixos, quando o ideal seria aproximá-lo de Bernardo Silva; Leão, um verdadeiro tormento, um felino livre e faminto na Savana, deu lugar para Chico Conceição, numa troca de imposição pelo drible que não resultou. 

O tempo foi passando, o jogo ficou partido e os eslovenos só não conseguiram algo ainda no tempo normal pela sua inaptidão ao ataque e o inevitável nulo permaneceu até o fim do tempo regulamentar. 

Como estava, já não havia mais sentido coletivo algum em Portugal, que ficou dependendo dos seus valores individuais. E Diogo Jota disse presente quando rompeu com a bola entre os defensores e só parou quando foi derrubado na área: pênalti indiscutível e a grande chance de Cristiano finalmente marcar o seu e estabelecer o recorde que, mesmo dizendo o contrário, incomodará até que consiga, mas faltou-lhe a calma de costume e o chute, forte e à meia-altura, foi desviado por Oblak e encontrou seu poste esquerdo antes de sair. 

Se o veterano avançado falhou, o jogador com mais rodagem da Terra entre todos que já estiveram pelas andanças da Eurocopa, o monumental Pepe, foi tentar um passe em zona proibida e errou tudo: bola, chão e tempo de bola. E Sesko, 20 anos mais moço, ficou com o gol à sua frente, mas desperdiçou. Ou melhor, Diogo Costa, com o pé, operou o primeiro milagre da noite já a dois minutos do fim. Seria injusto Portugal cair por erros justamente de Pepe e de Cristiano.

Quando acabou o jogo, o capitão caiu. Trocou o chilique dos gols falhados por um choro que o fez tocar o chão dos mortais, posto que é humano. Daí surgiu Diogo Dalot, seu melhor - e talvez único - amigo na segunda passagem pelo Manchester United, e o consolou. 

Mas ainda faltava o fado, o drama, o palco perfeito para o surgimento de heróis e vilões. E santos. 

A canonização é possível quando dois milagres são comprovados. Faltava um. E este veio na forma de três pênaltis defendidos, mas não daqueles em que o goleiro escolhe um canto e seja o que Deus quiser. Foi buscar os três, a começar pela injustiça da perda nos pés de Ilicic, que venceu uma depressão e é um dos vencedores desta Euro. 

Cristiano, mais calmo, se redimiu com uma cobrança perfeita que, não o fosse, teria parado nas mãos do outro santo dos postes. Bruno Fernandes e Bernardo Silva também foram chamados e colocaram Portugal no comboio para Hamburgo, onde a França, também de prestações mininas até aqui, espera para mais um duelo entre os países que disputaram uma final e duas meias finais. 

O apuramento aos quartos teve todo o drama que toda a gente mais dada a emoções e histórias de superação mais gosta. Se resultar em um troféu ao alto no dia 14, lembrar-se ao dos campeões forjados com lágrimas, suor e sofrimento. Se não resultar, e isto sempre é o mais provável, perguntarão por que um jogo acessível se arrastou a ponto de extenuar toda a gente? Por que Vitinha, o melhor em campo, saiu? Por que Bernardo Silva fica fixo como extremo, se joga melhor quando se associa por mais partes do relvado? Por que colocar os objetivos de Cristiano Ronaldo acima da própria equipa? 

E será preciso mais, pois milagres não acontecem todos os dias.

(Getty Images)


***

As avaliações a seguir têm um certo exagero, galhofa e quase nenhuma base técnica. É favor não levar tão a sério.

Diogo Costa: Se algum português estiver a escolher o nome do filho e não pensar em Diogo estará morto por dentro. E se for menina? Nomes compostos servem pra isso;
João Cancelo: Queira descobrir algum segredo cabeludo do mister para usar contra ele quando pensar em te tirar da lateral (Nelson Semedo: Tenho para mim que o Semedo sabe);
Rúben Dias: Estupendo, como sempre. Mas podia correr um bocadinho mais quando o Pepe deu aquela fífia;
Pepe: Os monumentos tombam, afinal (Rúben Neves: "Ó, mister, duvidas que eu dê um pontapé e meta a bola pra fora do estádio?" E foi assim que Rúben Neves entrou);
Nuno Mendes: Jogas tanto, mas tanto, que nem pareces jogador do PSG;
João Palhinha: Já que tens que marcar por todos, faça uma pergunta ao mister: "VAIS TIRAR O VITINHA? ÉS PARVO OU O QUÊ?";
Vitinha: Não erras um cara** de um passe e és tu que sais? (Diogo Jota: Não inventes mais de sofrer um pênalti quando o Cristiano estiver ansioso);
Bruno Fernandes: Já pensaste em colocar laxante no suco do mister? Ele jamais desconfiaria de ti; 
Bernardo Silva: Interessante, a ideia do mister ao te tirar da ponta direita, onde não rendes, e te passar para a esquerda, onde nunca jogas. Nem Jorge Jesus faria isso. Não hoje;
Cristiano Ronaldo: Que a humanização do seu choro e a humildade do pedido de desculpas te façam ver que podes não jogar sempre; 
Rafael Leão: Excelente estreia, Rafael Alexandre. Onde estiveste este tempo todo? (Francisco Conceição: "Eu? No lugar do Rafa? É isso mesmo?" Essas eram as únicas perguntas a serem feitas, pá, até ele cair em si);
Roberto Martinez: Não basta ter os ovos para fazer a omelete; tens que quebrá-los. Sim, é do Cristiano que estou falando.

Sem comentários: