quinta-feira, 9 de março de 2023

PORTUGUESA - Lições do Gonzaguinha


“É, 
A gente não tem cara de panaca,
A gente não tem jeito de babaca,
A gente não está com a bunda exposta na janela pra passar a mão nela.”

O enorme e necessário Gonzaguinha (1945-1991), filho adotivo do eterno Gonzagão, que também serviu de inspiração para um dos textos favoritos deste humilde escriba, cantou estes versos num momento em que nós respirávamos a democracia recém restaurada no Brasil. Era o fim dos anos 1980.

Duas décadas e um bocadinho depois, houve o caso Heverton e é escusado falar aqui tudo o que aconteceu durante e depois daquela sacanagem. Jogo jogado, tapetão, mesas viradas. Nem é possível falar em guerra nos bastidores quando um dos lados tem todas as armas e o confronto é com quem tem, se muito, um estilingue e o espírito da lei a seu favor.

O tal espírito da lei, ou mens legis, é a vontade da lei. “Mens legis lex est” (O espírito da lei é a lei – e é favor ler com a voz do Cid Moreira ou do Jonas Mello pra dar um ar de imponência à frase). É implícito, subjetivo. 

Quase dez anos depois, lá vamos nós à voltas com regulamentos, artigos, parágrafos e esse juridiquês que ninguém entende, tampouco fecha a questão. O São Bento, que conseguiu ser mais incompetente que a gente, enviou um ofício safado alegando que a Portuguesa havia descumprido um dos artigos do Campeonato Paulista e, portanto, deveria perder o ponto do clássico com o Corinthians porque mandou o dito cujo fora da cidade onde tem sua sede.

Disse o legislador que “no ano do acesso, o Clube deverá, obrigatoriamente, disputar suas partidas como mandante no município de sua sede, sob pena de perda das partidas por W.O.” Aí vamos para o tal espírito da lei: este artigo foi colocado no regulamento para forçar os clubes a terem um estádio em condições de receber os jogos, senão, nada feito, tanto que o parágrafo 1º coloca que, “na hipótese de caso fortuito ou força maior, e desde que o Clube disponha de Laudo de Engenharia atestando capacidade de acordo com o caput do art. 5º deste RGC, a FPF poderá liberar a disputa da primeira, segunda e terceira partidas do Clube como mandante em local diverso de sua sede”. É o tempo para adequar sua casa ao que exige o regulamento.

O outrora simpático clube sorocabano comete dois erros terríveis e patéticos neste pedido, além da questão moral de fazê-lo, que pode ser vista como uma obrigação, mas que tem o ônus da vergonha tatuado na testa caso a empreitada falhe, como falhou: envia o ofício (bem) depois de 48 horas da entrada da súmula da partida na FPF, prazo máximo estipulado pelo CBJD (Código Brasileiro de Justiça Desportiva), conforme alertou ao NetLusa Rodrigo Marrubia, advogado especializado em direito desportivo; e data o documento em 7 de fevereiro, cinco dias antes da partida, inclusive com o resultado do jogo. É quase uma grilagem. Ou um dom de antevisão incrível de causar inveja ao Herculano Quintanilha, mas que deveria ser usado para adivinhar que o rebaixamento estava vindo aí. Ou um erro de amador.

Por falar em erro de amador, a Portuguesa arriscou. “Pôs-se a jeito”, como dizemos em Portugal, pois o regulamento não é claro na sua intenção e isso dá margem a qualquer interpretação. Ou, como disse o Luiz Gonzaga do Nascimento Jr, deixou a bunda na janela. E por mais que seja óbvio que o regulamento quer dizer o que foi dito aí em cima, dá margem para que, no mínimo, gastemos energia em outras coisas que não a disputa da Taça Independência, que renderá ao campeão 400 paus, que são 40% do que foi embolsado pela Lusa ao levar o jogo com o coirmão de Itaquera para Brasília. Além de ser um título, ó caraças! 

Como comecei este artigo citando Gonzaguinha, termino da mesma forma:

“A gente quer é ter muita saúde.
A gente quer viver a liberdade.
A gente quer viver felicidade”.



Texto originalmente publicado no NETLUSA

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