INTIMIDADE Vini Jr. beija a taça mais cobiçada do futebol de clubes (Reuters/Carl Recine) |
*Texto originalmente publicado no Ludopédio
Vinicius Jr. é a bola da vez. Favorito a devolver ao Brasil a Bola de Ouro, o jogador tem brilhado jogo sim, jogo também, pelo Real Madrid, com quem conquistou sua segunda Liga dos Campeões em três anos, e foi novamente decisivo, outra vez protagonista.
Mas não bastou exaltá-lo. Como se o futebol fosse o teatro grego de tragédia e a presença de um protagonista, representando o bem, automaticamente criasse a figura de um antagonista, a quem o mal lhe é atribuído, busca-se diminuir Neymar para enaltecer Vinicius Jr. É a mesma tolice que converte fãs de Messi e Cristiano Ronaldo em detratores do outro. Apesar do péssimo gerenciamento de carreira, Neymar é - ou foi, sei lá o que vai dar dele - um jogador brilhante.
Fora de campo, Neymar é um cidadão dos mais questionáveis, para não usar outro adjetivo menos abonador, mas, em se tratando de futebol - e o tema aqui é este -, é um extraclasse, é completo. Podem escolher o fundamento do jogo, Neymar, no mínimo, é muito bom. O que pesa contra o maior talento brasileiro, para não falar mundial, em anos é o seu comportamento, e aqui nem entra em questão suas posições pessoais.
É necessário conter a emoção, mesmo que seja somente para proteger o craque madridista das cobranças exageradas para que seja o número um. Presenciamos um craque em construção, longe do seu ápice físico, técnico e psicológico, e ainda sujeito a cometar algumas bobagens. Hoje, quando este texto é escrito - e afastado do calor da conquista continental -, Vini Jr. é o principal jogador da temporada, da mesma forma que Bellingham já foi apontado como o melhor do ano.
Imaginemos, porém, que a Inglaterra finalmente vença uma competição, a primeira desde 1966. Se Bellingham comer a bola, quem garante que o favorito não passe a ser ele? Ou Kane, que naufragou coletivamente no Bayern, mas individualmente fez provavelmente sua melhor temporada. Comparando as conquistas, a Champions do Real Madrid é só mais uma Champions do Real Madrid. Uma eventual Euro da Inglaterra são outros quinhentos.
O prêmio pode ir para qualquer um deles, ou até mesmo para Kroos, um dos melhores da história, sem favor algum. Se mantiver o nível estupendo de atuações visto na temporada e, naturalmente, vencer a competição que jogará pela Die Mannschaft, em casa, estará à altura da distinção. Destes, Vini Jr, Bellingham e Kroos arrebentaram na temporada, pelo mesmo Real Madrid. Não me parece nenhum absurdo que os três estejam cotados.
Ainda assim, não será essa obrigação besta que parece ser determinante para decidirmos o tamanho de um jogador que nos dirá se Vinicius é maior ou melhor do que Neymar. Potencial, ele tem; mentalidade, idem; talento, demorará anos para aparecer alguém que se aproxime do ex-santista, isso se algum dia acontecer. Mas isso não basta. Além do mais, um fato poderá ser determinante para o futuro do brasileiro: a chegada de Mbappé ao Real Madrid.
Só para ilustrar, quando ainda não era um criminoso, Robinho era um talentosíssimo atacante, também do Real Madrid, com os olhos postos ao prêmio de melhor do mundo, e numa época pré Messi e Cristiano. Bastou a suspeita de que seria moeda de troca para a chegada do português para rifar a carreira. Bastou uma decisão errada, somente uma. Depois foi o que foi, mas isso não tem nada a ver com o campo.
Como Vini reagirá à chegada do mimado francês? Ou melhor, como Mbappé chegará ao Real Madrid? Será mais um no vestiário, que não terá mais a liderança natural de Toni Kroos? Aceitará jogar centralizado para que Vini siga atuando onde comprovadamente rende mais? No PSG, essa questão causou ruído. Na seleção francesa, Mbappé já é o capitão.
Voltando à Bola de Ouro, o camisa 7 do Real Madrid sofre a resistência de parte considerável do mundo do futebol porque enfrenta o racismo que sofre até mesmo quando não está em campo, em vez de aceitar bovinamente as ofensas que recebe por causa da sua cor retinta. Não aceita ser atração, tampouco ser desumanizado por um sistema que sequer considera o racismo crime no país onde mora.
Em todo caso, ainda lhe falta escrever uma história na seleção, onde Neymar, bem ou mal, é o maior artilheiro em jogos oficiais, mesmo tendo feito água nas grandes competições. Talvez a presença do próprio Neymar no grupo ofusque seu crescimento, ou faz com que os treinadores, desde Tite, não lhe deem o protagonismo que parece pronto para receber. Ou mesmo o sistema de jogo de Fernando Diniz tenha atenuado seu talento. Seja como for, Vini nunca foi o cara a ser procurado em campo quando a coisa apertou quando veste a cada vez mais esquisita camisa da seleção.
Pelas características de Dorival Jr, e por Neymar, temporária ou definitivamente, não estar à disposição, esta responsabilidade deve ser-lhe atribuída já na Copa América, na qual terá a chance de pavimentar ainda mais o caminho para chegar ao prêmio de melhor da temporada. Até lá, pelo menos, sugiro ir devagar com o andor porque o santo - e a admiração do torcedor - é de barro.
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